quarta-feira, 29 de abril de 2009

7.ª Tarefa - Informação ambiental

O direito de informação apresenta-se como um dos direitos que os portugueses dispõem no âmbito da cidadania ambiental pelo que como direito que é encontra-se consagrado na Constituição da República. Veja-se o art. 268.º /1 e 2. CARLA AMADO GOMES propõe que este preceito seja interpretado segundo uma visão subjectiva quando a informação e o acesso às suas fontes são essenciais para que o cidadão compreenda o fundamento e o limite dos seus direitos em face dos poderes públicos (n.º1). Portanto, é uma manifestação da participação dos cidadãos na determinação e no controlo da actividade administrativa ambientalmente relevante. Já o n.º 2 adopta uma visão subjectiva na medida em que deste direito decorre a transparência da actividade administrativa assegurando consequentemente a responsabilidade dos seus actores.

Sendo o Direito do Ambiente um direito com relevância não só no plano interno mas à escala global facilmente se entende que o direito de acesso à informação em matéria ambiental encontre-se regulado quer no plano comunitário – Directiva n.º 90/313/CEE transposta pela Lei n.º 65/93 (LADA), de 26 de Agosto objecto de alterações introduzidas pela Lei n.º 8/95, de 29 de Março; Lei n.º 94/99, de 16 de Julho, e por último pela Lei n.º 19/2006 de 12 de Junho (LAIA)– quer no plano internacional dentro do qual se salienta a Convenção assinada em Aarhus em 25 de Junho de 1998.

Voltando ao direito interno, verificamos que para além daquela dimensão objectiva e subjectiva podemos dizer que estão previstos dois direitos de acesso à informação: o que respeita aos documentos administrativos regulado pela Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto e o que trata do acesso à informação procedimental, regulado no Código de Procedimento Administrativo nomeadamente nos seus artigos 61.º a 65.º. O primeiro permite a qualquer cidadão aceder à informação administrativa em termos gerais, mediante o qual os - “cidadãos têm (...) o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (...)” enquanto que o segundo destina-se a disciplinar especificadamente o acesso à informação quando esteja a decorrer ou tenha decorrido um procedimento administrativo no qual o requerente seja interessado - “os cidadãos têm o direito de serem informados pela Administração, sempre que requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como, o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.”

O direito de acesso à informação, nas suas duas vertentes, é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias e, consequentemente, só podem sofrer restrições quando estejam em causa matérias que, pela sua natureza mereçam uma especial protecção. É o que sucede nos casos que respeitam à segurança interna e externa do Estado , à investigação criminal e à reserva da intimidade da vida privada das pessoas.

Agora imaginemos que não estamos perante nenhuma das restrições especialmente previstas na Constituição mas perante outras matérias relativas a direitos ou interesses igualmente merecedores de tutela. Será que o direito de acesso à informação pode ceder perante elas?! E se a resposta for afirmativa em que termos tal poderá suceder?

A estas questões o Tribunal Constitucional procurou dar respostas nomeadamente no acórdão n.º 136/2005. Neste caso, discutiu-se se a recusa a uma organização ambientalista de determinados documentos relativos a um contrato celebrado pelo Estado Português com um conjunto de empresas destinado à implantação de uma unidade industrial era legítima por estar em causa o segredo industrial.

Observando o disposto na lei, mais precisamente o art. 16.º da LADA que determina que sempre que o requerente se defrontar com uma resposta negativa, como é do caso sub judice , pode reagir intra-administrativamente, apresentando queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) . Porém, ao requerer a intervenção da CADA, o requerente não perde o direito de accionar em simultâneo uma demanda judicial recorrendo à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulada nos artigos 104.º e seguintes do CPTA. Este podia ser um cenário possível do nosso acórdão em que provavelmente o tribunal ao conceder a intimação, o procedimento administrativo junto da CADA tinha-se por extinto por inutilidade superveniente nos termos do art.º 112.º do CPA. No entanto, o tribunal poderia não ter concedido a intimação, bem como o parecer do CADA (art.16.º/2 e 3 da LADA) era no sentido de indeferir o pedido de informação pelo que o requerente estaria impedido de propor nova intimação contra aquela decisão atendendo à excepção do caso julgado. Veja-se o disposto nos artigos 498.º do CPC, e 89.º/1 alínea i) do CPTA. Então o que poderia o requerente fazer? Em princípio poderia recorrer à acção administrativa comum no sentido de obrigar a Administração a fornecer a informação requerida. Imaginemos ainda uma outra possibilidade na qual o tribunal ao não conceder a intimação verificava-se no entanto, parecer favorável à pretensão do requerente. Aqui esta decisão prevaleceria sobre a pronúncia judicial, visto que a parte que beneficia da força de caso julgado a ela renuncia.

Chegado aqui, no acórdão objecto de análise verificou-se que a requerente não reclamou para a CADA, tendo antes interposto directamente recurso contencioso. Vista a fase processual quanto à forma de actuação de um interessado aquando da recusa a um pedido de acesso à informação passemos então à questão de fundo! Após ter sido negado provimento ao pedido de intimação colocada em juízo pela requerente, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa deixou bem claro que não haveria qualquer inconstitucionalidade decorrente do segredo industrial, pois que apesar da lei constitucional não o referir explicitamente, as normas constantes no CPA nomeadamente no art. 62.º, assim como, no art. 10.º/1 da Lei 65/93, de 26 de Agosto e no art. 13.º/1 do DL. 321/95, de 28 de Novembro fazem-no concluindo que os “valores subjacentes à consagração dos segredos comercial e industrial têm protecção constitucional”. Desta decisão, a organização ambientalista recorreu para o Tribunal Central Administrativo, o qual negaria provimento ao recurso fundamentando a sua decisão, quer no disposto nas normas anteriormente referidas, quer na cláusula contratual nos termos da qual o Estado Português estava vinculado ao dever de sigilo. Mais, afirmou que não se levantava nenhum conflito entre o direito à informação e os direitos à propriedade e iniciativa privada e o inerente segredo industrial e comercial por haver lei que permite a recusa de acesso a documentos quando estejam em causa segredos industriais pelo que o intérprete estaria dispensado de levar a cabo uma ponderação entre aqueles valores. A partir do proferimento desta decisão, o Tribunal Constitucional interviria a pedido da organização ambientalista enquanto última instância judicial para esta conquistar a sua pretensão. Da intervenção do TC resultaram as seguintes conclusões:

· Para efeitos de delimitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo exige-se uma ponderação casuística dos direitos e interesses constitucionalmente protegidos à luz do princípio da proporcionalidade. O disposto no art. 18.º da CRP, nomeadamente nos números 2 e 3, vale para todas as medidas restritivas dos direitos fundamentais. Ora, sendo o direito da informação em matéria ambiental um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias então, por maioria de razão quando se verifique uma restrição ao seu acesso, terá também de ser justificada indicando-se as circunstâncias e os pressupostos de facto que conduzem à prevalência de um direito sobre o outro.
· Ao olharmos para o art. 268.º/2 vemos uma reserva de lei na medida em que o legislador ao consagrar e ao reconhecer o direito de acesso e a sua natureza pública, impõe certos limites: “sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.”
· Tal como existem excepções expressas ao direito de informação, como a anteriormente referida, também as há quando resultam em concreto da ponderação de direitos e interesses constitucionalmente reconhecidos como seja o do investimento proporcionado por um contrato celebrado com o Estado Português. Assim, aquele direito à informação poderá ceder perante outros interesses.


Estes três pontos são as grandes linhas a ser seguidas, quanto a nós, sendo de louvar a posição assumida pelo TC. No entanto, a decisão proferida por este órgão não é perfeita uma vez que não aplica verdadeiramente o que defendeu, isto é, não procede a uma ponderação judicial concreta dos interesses em confronto, por entender que nas situações em que legislador ou no caso sub judice, a Administração, através da celebração de um contrato de investimento, terá optado ela própria por atribuir prevalência aos direitos de propriedade privada e livre iniciativa dentro dos quais se inclui o segredo industrial, visam satisfazer interesses com relevância a nível constitucional.
Em primeiro lugar dúvidas não há em relação à existência de um conflito de direitos: Direito do Ambiente nomeadamente no que respeita à informação que a cada um de nós é permitido aceder VS Direitos da propriedade e da livre iniciativa.
Em segundo lugar, seguindo aquele raciocínio, parece que toda e qualquer decisão emitida pela Administração será sempre certa e a melhor das decisões do mundo!!? Ora, sejamos realistas! Em princípio, deveria ser mas sabemos que nem sempre é assim. A Administração também comete erros e por vezes as suas decisões deixam muito a desejar...

Atenda-se ainda às palavras de Mário José de Araújo Torres que no seu voto de vencido ao acórdão, ao qual se associa Maria Fernanda Palma, fundamenta de uma forma clara e com base em jurisprudência anterior do TC, a necessidade de em toda e qualquer circunstância, dada a sua natureza - seja ela expressa no texto constitucional ou imposta pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses merecedores de tutela - que implique uma restrição ao direito de informação carecer de uma ponderação casuística de modo a decidirmos por um dos direitos em conflito.

Mais, tenha-se em conta o alerta para o qual Araújo Torres nos adverte: “é incompatível com a eficiente defesa dos valores ambientais, em que prevalecem os princípios da prevenção e da precaução, a consideração (feita pelo TC) de que «caso a laboração da empresa venha a provocar danos ambientais, então sim poder-se-á discutir a prevalência do direito do ambiente». Ou seja, o TC ao dizer tal coisa está a inverter um dos princípios essenciais sobre o qual assenta o nosso Direito do Ambiente: em vez de “mais vale prevenir do que remediar” está a espera que primeiro o ambiente fique “doente” para depois dar-lhe um “remediozinho”. Ora, o Ambiente não é de recuperação rápida!!


Por tudo isto, vimos o “melindre” que a publicitação de alguma informação pode implicar é certo, mas também o é, e em jeito de conclusão, que o princípio da proporcionalidade como indutor de uma ponderação casuística pode e deve ser um bom critério a ser adoptado para resolver todas aquelas situações em que exista um conflito de direitos e tenhamos de decidir por um deles.