quarta-feira, 29 de abril de 2009

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável é mesmo um princípio?

A frase apresentada conduz a uma reflexão acerca de dois “princípios” ambientais: o do desenvolvimento sustentado e o da precaução, e será em relação ao primeiro que começaremos a nossa abordagem. É importante ver algumas considerações sobre o que a doutrina tem entendido por desenvolvimento sustentado. Tendo, desde já, em consideração o que Vasco Pereira da Silva entende acerca desta matéria. Em primeiro lugar, ao contrário da Autora citada, entende que se trata de um princípio ambiental, consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 66 nº 2 alínea b), quando se refere a “...um equilibrado desenvolvimento socioeconómico...”. O referido autor aponta a este princípio uma origem internacional, inicialmente com uma conotação económica mais acentuada, e, refere a Declaração de Estocolmo de 1972 e a Carta da Natureza de 1982, como dois marcos daquele. Quanto ao conceito, o autor salienta que o princípio impõe uma “ (...) ponderação das consequências para o meio ambiente de qualquer decisão jurídica de natureza económica tomada pelos poderes públicos (...) ”, acentuando ainda que o facto de os custos ambientais de uma determinada actividade económica, por exemplo, serem superiores aos benefícios económicos, conduzirá à invalidade da decisão que a autorize. Como forma de controlo da actuação da Administração, Vasco Pereira da Silva defende que este princípio constitucional obriga aquela a fundamentar as suas decisões, usando a expressão “fundamentação ecológica” para afirmar que a Administração deve demonstrar que procedeu a uma adequada ponderação entre benefícios económicos e prejuízos ecológicos de uma sua autorização ou medida. Rodrigues da Costa, tal como Carla Amado Gomes salientam a vertente ética do conceito de desenvolvimento no sentido em que varia na proporção dos valores que a sociedade considere desejáveis. Além disso, refere uma componente material de bem-estar e uma componente moral, estreitamente ligada ao sentido mais profundo da existência. É a vertente material que nos interessa no âmbito deste nosso trabalho, já que para o autor, a mesma se traduz no consumo de recursos naturais que, sendo limitados, vão conduzir ao surgimento de questões acerca da “sustentabilidade dos modelos de desenvolvimento que se adoptam”. Importante também é fazer referência ao conceito de desenvolvimento sustentado defendido no Relatório Brundtland, datado de 1987 e publicado pela WCED (Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento), que se traduz no “ (...) desenvolvimento que permite dar resposta às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras darem resposta às delas (…) ”. Rute Gil Saraiva aponta duas ideias que estão na base do desenvolvimento sustentado, sendo a primeira a de satisfazer necessidades primárias e a potencial destruição de equilíbrio ecológico, devido aos actuais padrões de produção e de consumo e ao grau tecnológico alcançado, que se traduzem na incapacidade dos recursos naturais darem resposta às necessidades do Homem. A mesma autora contrapõe ao conceito de desenvolvimento sustentado, o de sustentabilidade ambiental, afirmando que este último assume um carácter mais neutro do que o primeiro, na medida em que o objectivo será o alcance de um equilíbrio entre a actividade humana e o ambiente, pondo de parte a ideia de saturação ou extinção de espécies; enquanto o desenvolvimento sustentado, revestir-se-ia de uma feição mais económica, aceitando que a interacção do Homem com o ambiente, baseada em actividades económicas, trará sempre impacto ambiental. Procede, ainda, a uma distinção entre sustentabilidade fraca e forte, sendo que a fraca corresponde à adoptada no já referido Relatório Brundtland, traduzindo-se na ideia de garantia das mesmas oportunidades para as gerações futuras e presentes, embora com base numa ideia de substituibilidade dos recursos ambientais; a sustentabilidade forte, através da qual se identifica um núcleo de bens naturais, considerado intangível e se tem em linha de conta a problemática da irreversibilidade ecológica versus dinâmica científica. Para Afonso d´Oliveira Martins, “o desenvolvimento será sustentável, por um lado, na medida em que não traduza uma visão puramente utilitarista e imediatista, ajustando-se antes à realização consistente do Bem Comum e traduzindo uma ponderação de valores como os da justiça e da solidariedade (intra-societária e inter-societária). Por outro lado, implica a consideração do fenómeno do desenvolvimento com todas as consequências que pode ter para o Homem e para a Natureza não somente hoje, mas também amanhã ou a longo prazo. Parece-nos que é também em vista desta ideia de realização do “Bem Comum” e da ponderação de valores, como o da solidariedade, que Carla Amado Gomes se refere ao “carácter ético de certas máximas”. Afonso d´Oliveira Martins discorda desta última autora, na especialmente no que se refere “ (...) retira-lhes a natureza principiológica (...) ”, na medida em que defende que o Direito elevou o conceito de desenvolvimento sustentável a um verdadeiro princípio, de acordo com o qual, os Estados ficam obrigados, nomeadamente, quando levam a cabo actividades de fomento”, a considerar: a utilização de recursos naturais ao serviço da sociedade e solidariamente com as necessidades da própria Humanidade; a racionalidade na utilização desses recursos, devendo evitar desperdiçá-los, esgotá-los, mantendo sempre em linha de conta a sua (in)capacidade de renovação; as consequências futuras advenientes dessas actividades; tendo ainda a obrigação de promover um desenvolvimento em favor das gerações vindouras. De acordo com este autor, estamos perante um “Princípio de Direito Internacional Comum”, embora os direitos nacionais o tenham consagrado nas suas “Constituições de nova geração”, como o fez a nossa CRP de 1976.
Passemos agora, à análise da precaução, que tem sido alvo de grande discussão, apresentando carácter mais controverso do que o desenvolvimento sustentável. Mais uma vez, faremos salientar a posição de Vasco Pereira da Silva, acerca da precaução. Assim, este autor, depois de indicar a finalidade do princípio da prevenção e de defender uma noção ampla desta, no sentido de a mesma se destinar não só “ (...) a evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e actualista (...) ”, mas também a “ (...) afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não ainda inteiramente determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros.”. Independentemente das causas que estão na base da lesão ambiental serem naturais ou o resultado das condutas dos seres humanos, vem opor-se à necessidade de distinção entre prevenção e precaução, optando por integrar esta última no conceito amplo daquela. Vasco Pereira da Silva, contesta que se deva associar à ideia de precaução um princípio “indubio pro natura”, na medida em que este traduzir-se-ia numa “verdadeira presunção”, no sentido de impor, àqueles que querem iniciar uma nova actividade, a prova da não existência de perigo para o ambiente, tendo como resultado a inibição de toda e qualquer nova actividade, pois, como refere o autor, “o risco zero em matéria ambiental não existe”. No que concerne à ideia de acordo com a qual, da precaução decorre a obrigação de adoptar cautelas quanto às actividades levadas a cabo pelo ser humano, ainda que não existam dados científicos consolidados no sentido de se poder estabelecer um nexo de causalidade entre uma determinada acção e um dano no ambiente, aquele autor vem dizer que a mesma não se pode traduzir na eliminação do nexo de causalidade no Direito do Ambiente; sendo que, quando muito, pudesse optar pelo estabelecimento de uma “presunção de causalidade”, na medida em que os “fenómenos de concurso de causas”, tornam extremamente difícil a prova do nexo causal entre aquela conduta e aquele dano ambiental; no entanto, não esqueçamos que esta ideia tem na sua base a noção ampla de prevenção e não o conceito de precaução. Assim o autor vem reforçar a ideia de prevenção em sentido amplo, fazendo-a abranger perigos naturais e riscos humanos e, ainda, antecipação de lesões ao ambiente, sejam as mesmas actuais ou futuras. Chegados a este ponto, importa agora fazer uma análise da frase de Carla Amado Gomes. Iremos proceder, em primeiro lugar, à abordagem da precaução do ponto de vista internacional e, depois, no seio da União Europeia, finalizando com a discussão da compatibilidade do princípio da precaução com a CRP, nomeadamente, com o seu artigo18º nº 2, como procede a autora. Cabe, desde logo, dar conta que a precaução surgiu no princípio 15 da Declaração do Rio, de 1992, que viria, como dá conta a autora, a universalizar a ideia de precaução. É também frisado o facto de o conceito de prevenção ser bastante variável, sendo que “as diferentes caras com que o princípio se apresenta, em vários documentos internacionais relativos à protecção ambiental, geram a dúvida de saber se a ideia de precaução tem uma significação própria e suficientemente estável de modo a permitir a identificação de um princípio”. Ora, é justamente com base nesta ideia que a autora se refere, na frase que propuseram que comentássemos, à “ (...) deriva formulativa de alguns alegados princípios de Direito do Ambiente (...) ”; mas não só, até porque aquela destaca outros problemas que a precaução suscita e que fazem com que duvide da sua “natureza principiológica”, nomeadamente, o facto de não estar fixado qual “ (...) o mínimo de incerteza que justifica a abstenção de intervenção (ou a sua suspensão), ou que obriga a uma actuação (…) ”; e, ainda a questão de o objecto do risco ser controverso (para uns a incerteza relaciona-se com a existência ou não do risco; para outros, o dano é inquestionável, residindo a dúvida na amplitude dos efeitos do mesmo. Carla Amado Gomes conclui, assim, que “a diferente formulação da equação da precaução condena a ambição de assunção do estatuto de princípio (de Direito Internacional), na medida em que não se consegue impor com um significado unívoco”; residindo o “calcanhar de Aquiles da ideia de precaução”, na questão de a mesma se reduzir a um “simples objectivo programático”, não reunindo “um núcleo mínimo de elementos que veiculem a sua aplicação homogénea a um conjunto similar de situações”. Em sede de todas estas considerações, a autora, depois de definir o princípio da prevenção – aquele que impõe aos Estados uma actuação que antecipe o que está na base dos prejuízos irreversíveis para os componentes ambientais, como forma de evitar danos -, passa a estabelecer um termo comparativo entre prevenção e precaução, para mostrar a sua preferência pela primeira. Além disso, faz referência à jurisprudência internacional como tendo contribuído para a sedimentação do princípio da prevenção, no sentido de o encarar como protector dos bens ambientais em si mesmo, isto é, independentemente dos mesmos se encontrarem subordinados à jurisdição de um Estado, e, até, contra esta; para, logo de seguida, perspectivar o princípio a prevenção à luz de um progresso coerente e sedimentado, em contraposição com o da precaução que, de acordo com a autora tem tido um “percurso ziguezagueante”. Conclui que a precaução não se reveste de autonomia em relação à prevenção (frisámos que Vasco Pereira da Silva também defende esta ideia), que a diferença entre elas é apenas de grau e não de natureza, na medida em que “o núcleo essencial da noção de antecipação de riscos estará sempre salvaguardada pelo princípio da prevenção, numa leitura mais abrangente” Façamos, então, em breves palavras, uma alusão a este princípio no seio da União Europeia. Primeiro, cumpre referir que a precaução consta do Tratado de Roma, no seu artigo 174º nº 2, no seio da política ambiental. Neste âmbito, Carla Amado Gomes, relata algumas das dúvidas suscitadas pela consagração do princípio da precaução no Tratado, designadamente: Qual o conceito de precaução? Qual o seu âmbito objectivo de aplicação? Abrangerá também a saúde pública? Qual o âmbito subjectivo do princípio? Vinculará apenas a actuação dos órgãos comunitários, ou também irá condicionar os órgãos dos Estados-Membros? Como compatibilizar o princípio de precaução com outros princípios comunitários? Quanto à primeira questão, esta autora defende que o conceito de precaução virá a ser desenhado pela União Europeia na sua tarefa legislativa e, acrescentamos nós, pela jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades, que tanto tem contribuído para a determinação do alcance das disposições comunitárias. No que diz respeito ao âmbito objectivo de aplicação do princípio da precaução, a autora defende que o mesmo só abrangerá a saúde pública, e não apenas o ambiente, quando certa actuação comunitária tiver o intuito de salvaguarda do ambiente e da saúde pública simultaneamente. No que concerne à terceira questão, a doutrina maioritária tem vindo a defender que a precaução vincula apenas a Comunidade. Finalmente, nesta última questão, darei especial ênfase ao problema de articulação do artigo 30º Tratado da Comunidade Europeia (TCE) com o princípio da precaução. Este artigo constitui uma excepção à proibição de obstáculos à livre circulação de bens, com base em preocupações relacionadas com a vida e saúde das pessoas e animais e, ainda, com a conservação das plantas. Neste âmbito, a “pedra de toque” reside no facto de os Estados poderem invocar a precaução com intuitos proteccionistas, dada a indefinição da mesma. Não poderíamos deixar de fazer referência à Comunicação da Comissão sobre o Princípio da Precaução, de 2 de Fevereiro de 2000, em relação à qual Carla Amado Gomes salienta várias questões, nomeadamente: a decisão de fixar o conceito de precaução reveste-se de cariz político; a dúvida, no que diz respeito aos riscos, tem de ser séria, devendo basear-se em estudos científicos; perante os riscos equacionados devem ser adoptadas diferentes medidas, que podem passar pela informação do público e ir até à implementação de uma medida que proíba a comercialização de um produto, com base numa ideia de reavaliação da medida sempre que surjam novos dados; a introdução de princípios que devem estar na base dos procedimentos a tomar, ante situações de incerteza, tais como o princípio da proporcionalidade, da não discriminação, da revisibilidade, entre outros. Importa atender ainda à questão de saber se a precaução não atentará contra o que dispõe o artigo 18º nº 2 da CRP, já que este manda o intérprete e aplicador do direito proceder a uma ponderação dos bens em presença e, a precaução, ao invés, resolve os problemas “independentemente das circunstâncias concretas”, dando primazia aos valores ambientais. Daí que Carla Amado Gomes defenda uma ponderação equilibrada dos factores em jogo, de forma a melhor satisfazer os interesses em presença, até porque não é possível eliminar o risco, e não se deve “hipervalorizar a realidade ambiental.” Para além disso, a utilização do princípio da precaução como meio habilitante de conformação restritiva de situações jurídicas individuais em prol de “valores colectivos incertamente ameaçados” atentará contra o Princípio da Legalidade (art. 266º nº 2 da CRP), da Reserva de Lei (arts. 18º nº 2 e 165º nº 1 al. b) da CRP), na medida em que a actuação da Administração se deve processar ao abrigo da lei; e da Separação de Poderes (arts. 2º e 111º nº 1 da CRP), pois a sua aplicação directa, sem prévia fixação do âmbito e dos limites da ponderação traduz-se em deixar para o juiz, a definição dos “riscos insuportáveis” e respectivos critérios, tarefa que deve caber ao legislador. Finalmente, a autora, chama a atenção para o facto deste princípio poder conduzir à acentuação da Responsabilidade Objectiva, isto é, sem culpa, já que, um produto ou uma actividade só seriam permitidos quando se provasse a sua inofensividade para o ambiente; se, mais tarde se chegasse à conclusão de que, afinal haveria lesão daquele, já não poderíamos lançar mão da Responsabilidade Subjectiva, porque tudo indicava ausência de risco; dando azo a uma aplicação genérica daquela.
Do meu ponto de vista concordo com a autora quando esta diz que é necessário encontrar um meio-termo até porque como também refere Vasco Pereira da Silva não podemos adoptar visões eco fundamentalistas que nenhumas vantagens trazem à defesa dos nossos direitos e do ambiente.
Bibliografia
Pereira da Silva, Vasco; “Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”; Almedina; 2002.
Costa, Rodrigues da; “Desenvolvimento sustentável na Indústria Extractiva: Conceito e prática do Instituto Geológicos Mineiro de Portugal”; policopiado; Lisboa; 1999.
Cabrita e Gil Saraiva, Rute Neto “A Aposta no Desenvolvimento Sustentado-Breve perspectiva, em especial no âmbito do Direito Internacional”; Dissertação em Ciências Jurídico-Internacionais.
D’Oliveira Martins, Afonso; “O Desenvolvimento Sustentável e o Regime dos Cursos de Água Internacionais” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha.
Amado Gomes, Carla; “Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do Ambiente”; Lisboa; 2007;