terça-feira, 7 de abril de 2009

7ª Tarefa: Informação ambiental. Numa balança qual o prato que deve pesar mais?!

No Acórdão nº 136/2005 do Tribunal Constitucional deparamo-nos com uma situação de colisão entre dois direitos: de um lado, o direito de acesso a informação ambiental por parte de uma Organização ambientalista, do outro lado, o direito de segredo /sigilo industrial e comercial decorrente da construção de uma indústria em Esposende. Ora, essa Organização vê-se privada de exercer os seus direitos de consulta (e concordo que a Organização tem legitimidade apenas no que concerne às suas preocupações ambientais), nomeadamente quanto a estudos técnicos, certidões do contrato e respectivos anexos, por tais direitos se mostrarem prejudiciais aos direitos patrimoniais das partes contraentes (Estado Português e um grupo de empresas) tendo, no entanto, ambos os direitos relevância pública. Concordo com alguns dos argumentos apresentados pelo Tribunal mas também defendo algumas ideias do Doutor Mário José de Araújo Torres na sua declaração de vencido. Se não vejamos. Do art. 268º CRP podemos retirar um direito dos cidadãos de acesso a informação ambiental, com a ressalva do nº2: “(...) sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”. Actualmente a Lei de Acesso à Informação Ambiental (lei nº 19/2006) vem concretizar o disposto na CRP: arts. 2.º, 6.º 11º. principalmente o nº 6, com uma panóplia de matérias que devem prevalecer quando incompatíveis com o direito a informações inerentes. Igualmente a Lei de Acesso aos Documentos da Administração (lei nº 46/2007 de 24 de Agosto que veio revogar a antiga lei nº 65/93) nada de novo nos diz, e se confere no seu art. 5.º um direito de acesso aos documentos administrativos “a todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse”, no seu art. 6º. vem a estabelecer algumas restrições ao exercício desse mesmo direito. Poder-se-ía invocar o art. 3º. c) da Lei de Bases do Ambiente e a lei nº 35/98 de 18 de Julho sobre as Organizações Não Governamentais do Ambiente, que lhe atribui um acesso privilegiado à informação ambiental no seu art. 5.º. Daqui, extraímos, desde logo, que o direito à informação ambiental não é absoluto, a CRP impõe limites e remete para a lei ordinária o tipo de casos que podem entrar em colisão com o direito de consulta de alguns documentos que estão na posse da Administração: ao fornecer determinadas informações pode-se estar a lesar a intimidade de particulares, confidencialidades previstas na lei, o segredo de justiça, direitos de propriedade intelectual nomeadamente patentes, obras e criações artísticas, científicas, etc. Se tal acontecer o legislador preferiu optar pela solução de indeferimento do pedido de acesso à informação, ou seja, a recusa expressa. Mas não será essa uma solução demasiado agressiva ou mesmo lesiva? Estamos perante dois direitos com consagração constitucional, que quando incompatíveis, um sairá certamente sacrificado, mas qual? Como deve ser feita essa escolha?

Atrever-me-ia a afirmar que, à primeira vista, deveria infalivelmente prevalecer o direito à informação requerido por quem quer que seja. Ainda para mais, depois de ouvir tantas vezes o Doutor Vasco Pereira da Silva defender com toda a segurança, o direito ao Ambiente como um direito fundamental (nas suas vertentes subjectiva e objectiva) – trata-se de um “jardim comum” a toda a humanidade. O direito ao Ambiente é um direito difuso, é de todos, é essencial à sobrevivência da espécie humana, com uma importância que cresce a olhos vistos (por exemplo, recentemente assistiu-se ao “fenómeno” Hora do Planeta que serviu para sensibilizar os cidadãos para o problema do aquecimento global, cuja adesão se viu em algumas cidades mundiais – carácter transfronteiriço de danos ambientais), celebram-se Convenções com vários Estados-Membros (um exemplo para este caso, a Convenção de Aarhus), Protocolos, criam-se regulamentos e directivas. Por ser um direito fundamental este direito à informação (não se pode esquecer a cláusula aberta constante do art. 16º. da CRP, assim como o art. 17º.) ele tem um regime especial: dimensão positiva (Estado tem de ser activo) e dimensão negativa (defesa contra agressões e abstenção de actos lesivos); aplicabilidade directa; vinculação de entidades públicas e privadas e, principalmente, sujeito ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo (adequação, necessidade e proporcionalidade strictu sensu). O direito à informação sobre o ambiente tem protecção constitucional: arts. 37º., 48º., 52º. e 268º. como o artigo-chave desta matéria. É fulcral assegurar a participação e transparência. Já o direito ao sigilo comercial e/ou industrial ou segurança interna e externa parece que apenas o art. 268º. nº2 faz uma breve menção mas faz questão de remeter para a lei; imediatamente concluiríamos pela sua não protecção constitucional de forma explícita. Mas como concluiu o Tribunal Central Administrativo estariam em evidência os direitos de propriedade e iniciativa económica privada consagrados na CRP (arts. 61º., 62º., 82º., 86º. e 87º.). A antiga lei nº 65/93 no seu art. 5º. impõe interdições ou dependência de autorização ao fornecimento de informações quando isso possa causar danos à segurança interna e externa do Estado, mas só nos casos de informações e/ou documentos “classificados”, portanto, quando estiverem em causa poderosos interesses públicos. Não concordo com a inconstitucionalidade do art. 10º. da lei nº 65/93, ele não dispõe em sentido contrário ao que está na CRP no art. 268º. nº2, na minha opinião podemos incluir perfeitamente direitos de autor, de propriedade industrial e práticas de concorrência desleal na segurança interna e externa do Estado. A CRP deixa ao legislador o preenchimento do art. 268º. nº2, dando apenas os “parâmetros” gerais, sendo somente uma disposição exemplificativa. O decreto-lei n.º 321/95, de 28 de Novembro também não acarreta nenhuma inconstitucionalidade no seu art. 13º. nº1 assim como também não me parece que seja especial em relação ao art. 10º. da lei nº 65/93, mas antes mais amplo do que este (óptica também do Doutor Mário José de Araújo Torres).

Numa balança qual o prato que deve pesar mais? O que contém um direito a todos os cidadãos de se manterem informados e poderem avaliar possíveis danos ambientais, ou o prato que contém direitos patrimoniais / interesse dos investidores? Será justo sacrificar um direito de todos a favor de direitos patrimoniais só porque se estabeleceu uma cláusula no contrato de que haveria um dever contratual de sigilo? De facto, verificam-se dois direitos com um conteúdo bastante forte, “sem qualquer relação de hierarquia ou especialidade entre eles”, ambos visam satisfazer interesses e valores constitucionalmente relevantes. Veio dizer o Tribunal que se recusou o acesso da Organização à totalidade do contrato não por questões de confidencialidade mas porque os documentos estavam no “domínio e conhecimento de uma outra entidade administrativa”. Contudo, a Administração tem de ser activa e não apenas abrir a porta a certos documentos: é preciso facilitar o acesso do particular (art. 4º. da lei nº 19/2006). Este era já um argumento forte que vingava a favor da Organização ambientalista. O facto de a referida Organização não ter reclamado a priori para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos não me parece que seja relevante para o caso. Definitivamente, discordo da prevalência dada aos direitos de natureza patrimonial em detrimento de um direito que toca a todos (ainda para mais quando se vive numa sociedade de risco), mas realmente é preciso fazer uma ponderação casuística, é necessária uma avaliação caso a caso, é preciso respeitar o art. 18º. CRP quando se procede a restrições de direitos fundamentais. E adopto a posição de que foi violado o princípio da proporcionalidade na sua vertente da adequação (a restrição adoptada deve ser adequada em abstracto e em abstracto não me parece que se possa recusar toda e qualquer informação, à Organização interessava apenas a matéria respeitante ao meio ambiente).

“Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua constitucionalidade” decidiu o Tribunal neste sentido e ao qual não expresso o meu apoio e deixo uma questão com o seu quê de retórica: onde está o cumprimento da velha máxima “mais vale prevenir do que remediar (principio da prevenção)?”
A aferição da confidencialidade dos documentos a que o particular pretende aceder deve ser feita em relação a cada tipo de documento em con¬creto e não, em geral, a todos os documentos. Eventualmente poder-se-ia facultar o acesso não a todos, mas a alguns documentos mais relevantes que satisfizessem o interesse da Organização.

É verdade que não estava propriamente ainda em causa um direito ao ambiente (não havia danos ambientais) mas sim um direito a informações, mas “o tribunal não pode demitir-se de efectuar a tal ponderação casuística exigida pelo princípio da pro¬porcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio”. Efectivamente a Administração fez uso de alguma sua exorbitância para estabelecer desde logo que nenhuma informação poderia ser dada, só porque resolveu no momento da celebração fazer uma cláusula com esse conteúdo. Foi,de facto, uma decisão algo irracional, excessivamente restritiva. Pode-se restringir sim, mas consoante as situações. Nunca se sabe o que virá no futuro a acontecer.
Também não sou apologista do argumento que bastaria a intervenção da Administração para assegurar a salvaguarda do interesse público. A Administração por vezes pode não conseguir dar conta de tudo.

Em suma mesmo que se tenha estipulado no contrato um dever de sigilo, ainda assim haveria que se fazer sempre uma operação de ponderação dos interesses em jogo. Portanto, há que fazer uma interpretação restritiva das normas do art. 268º. nº2 CRP e dos arts. 5º. e 10º. da lei nº 65/93 (entretanto revogada), assim como do art. 13º. do decreto-lei nº 321/95 e avaliar que realmente, facultando a devida informação solicitada as empresas não sofreriam prejuízos e nem se recusava tão brutamente um direito subjectivo da Organização. Se não for o próprio Estado a conferir tutela a esse direito de informação, quem o fará…