Quase parece uma tirada do Senhor de La Palisse falar de prevenção ( o princípio da prevenção segundo o qual a melhor política do Ambiente consiste em evitar, na origem, a criação de poluições ou nocividades e não em combate-las, depois da sua ocorrência ) em Direito do Ambiente. Este seria um daqueles domínios em que, por virtude das especificidades próprias do objecto de tutela a prevenção seria um dado adquirido, uma segunda pele da maioria das normas. Contudo, ainda que assim seja, e que mais não fosse porque o civismo ambiental é algo que está a crescer na consciência individual, não podemos deixar de recensear as fontes, os conteúdos e os efeitos deste princípio, para com mais certeza o podermos invocar quando estivermos perante a necessidade de resolução de um problema relacionado directa ou indirectamente com a integridade de algum recurso natural.
Pleonástica poderá parecer a invocação de um outro princípio : o da precaução. À primeira vista prevenir e precaver seriam sinónimos não se vislumbrando razões para a duplicação de termos. Contudo, a diferença existe, ainda que os corolários a retirar do princípio da precaução não sejam pacíficos.
O princípio da prevenção traduz-se em que na iminência de uma actuação humana a qual comprovadamente lesará de forma grave e irreversível, bens ambientais, essa intervenção deve ser travada. Esta orientação deriva de fontes de origem diversa de direito internacional de direito comunitário e de direito interno. Além da enunciação do princípio, há todo um conjunto de medidas que o concretizam, nos mais diversos planos: ao nível procedimental, o princípio da participação é uma tradução da ideia de prevenção na medida em que convida os cidadãos - individualmente ou através de associações - a expressarem as suas posições relativamente a questões ambientais, podendo, através da sua intervenção, evitar a consumação de danos irreversíveis; ao nível da política industrial obriga à realização, em certos casos, de avaliação de impacto ambiental como condição prévia do acto autorizativo de licenciamento de implantação e exploração ( cfr. o Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho ); ao nível da política de educação impõe a inclusão nos currículos escolares - do ensino básico sobretudo - de uma disciplina de educação ambiental a fim de dar pleno cumprimento ao disposto no artigo 66º/2 g) da CRP e no artigo 4º/l) da LBA complementada com outras iniciativas que alertem e motivem os cidadãos para a necessidade de preservação dos recursos naturais; ao nível da política de investigação o incentivo de estudos ligados à temática do ambiente - nomeadamente, às formas de redução da poluição e de minimização dos seus efeitos nefastos( 4 º / f ) da LBA ).
O princípio da precaução é a mais recente aquisição principiológica do Direito do Ambiente. Ele significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza por falta de provas científicas evidentes sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente. incentivando por um lado à antecipação da acção preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e , por outro lado, à proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável - aqui diria o Professor Vasco Pereira da Silva " provas científicas irrefutáveis " o que é isso ? seja lá o que isso for...
Além deste conteúdo substantivo o princípio tem ainda uma importante concretização adjectiva: a inversão do ónus da prova.
Conforme nota Earll, o princípio da precaução, na sua essencia, não é fruto de reflexões científicas mas sim de preocupações práticas e permanentes relativamente ao aumento assustador dos níveis de poluição,mais concretamente da poluição marítima. Com efeito o domínio onde se desenvolveu este princípio até vir a integrar o Direito Internacional do Ambiente foi o mar e a sua defesa contra agressões poluentes. Na Segunda Conferencia Ministerial do Mar do Norte, em 1987, sobre poluição marítima fez a sua primeira aparição tendo depois alcançado projecção mais ampla. Em 1990, foi adoptado pela Declaração da Conferencia governamental de Bergen sobre desenvolvimento sustentado; em 1992 surge no princípio 15 da declaração do Rio:
Pleonástica poderá parecer a invocação de um outro princípio : o da precaução. À primeira vista prevenir e precaver seriam sinónimos não se vislumbrando razões para a duplicação de termos. Contudo, a diferença existe, ainda que os corolários a retirar do princípio da precaução não sejam pacíficos.
O princípio da prevenção traduz-se em que na iminência de uma actuação humana a qual comprovadamente lesará de forma grave e irreversível, bens ambientais, essa intervenção deve ser travada. Esta orientação deriva de fontes de origem diversa de direito internacional de direito comunitário e de direito interno. Além da enunciação do princípio, há todo um conjunto de medidas que o concretizam, nos mais diversos planos: ao nível procedimental, o princípio da participação é uma tradução da ideia de prevenção na medida em que convida os cidadãos - individualmente ou através de associações - a expressarem as suas posições relativamente a questões ambientais, podendo, através da sua intervenção, evitar a consumação de danos irreversíveis; ao nível da política industrial obriga à realização, em certos casos, de avaliação de impacto ambiental como condição prévia do acto autorizativo de licenciamento de implantação e exploração ( cfr. o Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho ); ao nível da política de educação impõe a inclusão nos currículos escolares - do ensino básico sobretudo - de uma disciplina de educação ambiental a fim de dar pleno cumprimento ao disposto no artigo 66º/2 g) da CRP e no artigo 4º/l) da LBA complementada com outras iniciativas que alertem e motivem os cidadãos para a necessidade de preservação dos recursos naturais; ao nível da política de investigação o incentivo de estudos ligados à temática do ambiente - nomeadamente, às formas de redução da poluição e de minimização dos seus efeitos nefastos( 4 º / f ) da LBA ).
O princípio da precaução é a mais recente aquisição principiológica do Direito do Ambiente. Ele significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza por falta de provas científicas evidentes sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente. incentivando por um lado à antecipação da acção preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e , por outro lado, à proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável - aqui diria o Professor Vasco Pereira da Silva " provas científicas irrefutáveis " o que é isso ? seja lá o que isso for...
Além deste conteúdo substantivo o princípio tem ainda uma importante concretização adjectiva: a inversão do ónus da prova.
Conforme nota Earll, o princípio da precaução, na sua essencia, não é fruto de reflexões científicas mas sim de preocupações práticas e permanentes relativamente ao aumento assustador dos níveis de poluição,mais concretamente da poluição marítima. Com efeito o domínio onde se desenvolveu este princípio até vir a integrar o Direito Internacional do Ambiente foi o mar e a sua defesa contra agressões poluentes. Na Segunda Conferencia Ministerial do Mar do Norte, em 1987, sobre poluição marítima fez a sua primeira aparição tendo depois alcançado projecção mais ampla. Em 1990, foi adoptado pela Declaração da Conferencia governamental de Bergen sobre desenvolvimento sustentado; em 1992 surge no princípio 15 da declaração do Rio:
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
no artigo 3 da Convenção-Quadro da ONU sobre as alterações climáticas e no parágrafo 22.5 da Agenda 21.
Também o Direito Comunitário acolheu este princípio. O artigo 130-R na versão pós-Maastricht ( hoje artigo 174 após a renumeração introduzida pelo Tratado de Amesterdão ) faz uma clara referência ao princípio da precaução. Esta previsão pode ter implicações internas , se pensarmos na vinculação dos Estados-Membros ao Direito Comunitário,nomeadamente no caso de Estados,
como Portugal , que ainda não adoptaram expressamente o princípio ao nível dos seus ordenamentos internos como integrante do núcleo de princípios fundamentais do Direito do Ambiente.
O seu estatuto no âmbito do Direito Internacional ainda não está bem definido. Há quem o inclua no leque de princípios gerais do Direito Internacional enquanto outros o reconduzem já à regra de Direito Internacional geral ou comum. Em contrapartida há também autores que em virtude da grande variação de interpretações que envolve o princípio preferem negar-lhe , por ora , o estatuto de princípio geral de Direito Internacional e existem mesmo vozes que lhe negam o estatuto de princípio jurídico , devido à sua grande indefinição. No entanto parece inegável que a ideia de precaução tem ganho progressivamente foros de cidade no Direito Internacional , em múltiplas concretizações no domínio da protecção do ambiente .
É , no entanto , ainda difícil apresentar uma formulação consensual do princípio da precaução . De acordo com BOUDANT " o princípio da precaução implica uma tomada de posição perante uma determinada situação : uma atitude de prudência face a riscos engendrados pela incerteza técnica ou científica. Ele indica uma direcção , não uma regra " . Na maior parte das vezes , afirma MARTIN ele corporiza um objectivo programático cuja mais valia reside precisamente na fluidez - uma vez que esta permite a abertura de um leque de elementos de ponderação .
É , no entanto , ainda difícil apresentar uma formulação consensual do princípio da precaução . De acordo com BOUDANT " o princípio da precaução implica uma tomada de posição perante uma determinada situação : uma atitude de prudência face a riscos engendrados pela incerteza técnica ou científica. Ele indica uma direcção , não uma regra " . Na maior parte das vezes , afirma MARTIN ele corporiza um objectivo programático cuja mais valia reside precisamente na fluidez - uma vez que esta permite a abertura de um leque de elementos de ponderação .
BARTON , partindo destes pressupostos , avança quatro critérios - directos - que derivam da aplicação do princípio :
1 ) As medidas são tomadas para prevenir danos consideráveis e irrversíveis no meio ambiente , na ausência de provas científicas que atestem o nexo causal entre a actividade e os seus efeitos no meio ambiente. A primeira ideia é , assim , a da ordem para actuar ainda que na ausência de comprovação científica sobre a lesividade da actuação que se vai suspender ou cujas condições de realização se alterarão . Ou seja , quer a gravidade , quer a irreversibilidade do dano , são considerações sujeitas à incerteza , o que significa que a Administração pouco mais terá para basear a sua actuação do que juízos de prognose feitos a partir de dados da experiência obtidos em casos precedentes . Estamos, ao contrário do que sucede quando falamos de prevenção, no domínio da possibilidade - e não da probabilidade, como sucede relativamente àquela .
Nas palavras de Ossenbuhl é preciso distimguir a defesa contra um perigo ( Gefahrenabwehr ) da evitação de um perigo ( Gefahrenvermeidung ) . " A Prevenção pressupõe a previsibilidade do perigo , enquanto a precaução visa antecipar o surgimento de um perigo , o fim de o evitar ". O autor faz mesmo um trocadilho entre o " cuidar antes " ( «Vor-Sorge» ) - a precaução - e o cuidar ( «Sorge» ) - a prevenção . O " cuidar " enfrenta perigos existentes , o "cuidar antes " obriga à adopção de medidas que se antecipem ao perigo hipotético , que previnam um risco . A diferença entre prevenção e precaução resulta , assim , da ténue linha traçada entre o terminus da previsibilidade de um perigo e o início da consideração de um risco .
Como se compreende , uma interpretação estrita do princípio da precaução levaria a que todas as actuações que , com um grau de possibilidade mínimo , pudessem lesar o ambiente , tivessem que ser evitadas , salvo havendo uma certeza quase absoluta sobre a sua inocuidade . Ora, tal atitude seria seria completamente irrealista, dadas as características da sociedade de risco . Com efeito , num tempo em que a técnica subverteu os processos normais de funcionamento dos ecossistemas , tornou-se impossível prevenir todos os danos , porque os dados têm que rever-se continuamente .
Assim sendo o princípio da precaução na sua versão maximalista não é operativo . Daqui se poderia retirar uma de duas conclusões : - ou a des(intervenção) ambiental só é aceitável uma vez comprovado cientificamente o risco ( ou a alta probabilidade da sua ocorrência ) de lesão ambiental grave e irreversível - e aí a diferença entre prevenção e precaução desvanecer-se-ia, e deixaria , concomitantemente , de fazer sentido a autonomização principiológica da segunda ; - ou a des(intervenção) ambiental é aceitável na ausência de certezas científicas sobre a possibilidade de dano , devendo haver então uma especial exigência de ponderação dos interesses em causa .
2 ) O ónus da prova cabe a quem pretenda desenvolver uma determinada actividade cuja lesividade para o ambiente não está cientificamente comprovada . Isto significa inverter o ónus da prova em termos procedimentais e processuais , pois remete-se para quem explora ( ou para quem autoriza a exploração ; a opção da precaução obriga a Administração , quando autoriza projectos sobre os quais paira a dúvida da lesividade para o ambiente , a uma ponderação agravada dos interesses em jogo , apoiada no dever de participação procedimental e traduzida no dever de fundamentação . Facto que leva a uma densificação do conceito de interesse geral , como nota G. Martin ) e não para quem alerta a obrigação de provar que a actividade não trará danos graves e irreversíveis aos recursos naturais . Esta alteração é de uma importância extrema no domínio do Direito do Ambiente , uma vez que , na grande maioria dos casos , é quem sofre a poluição ou quem , pura e altruisticamente , defende a Natureza , que se vê sobrecarregado com o ónus de provar a causalidade entre a acção poluente e o dano - e esta prova envolve normalmente a realização de enormes despesas . Por sua vez, o agente poluidor aguarda cabalmente o desenvolvimento do processo , tendo apenas que se defender quando chegar a altura e detendo para tal meios financeiros muito superiores .
3 ) Para responder à questão de saber se uma actividade causará danos graves e irreversíveis ao ambiente , o risco de erro será sempre computado em favor deste . Na lógica da sociedade de risco , prevenir é sempre melhor que remediar . O princípio da precaução permitiria estabelecer uma ponte entre a capacidade de resposta assente no conhecimento científico e a incapacidade de realizar um prognóstico válido no longo prazo , nota Caliess . " Assim , a segurança veiculada por uma previsão de curto prazo pode ser posta em causa no longo prazo . Enquanto a incerteza se mantenha o princípio da « prioridade da prognose negativa sobre a positiva » deve ser tido em conta " . Havendo incerteza , a decisão é tomada num sentido in dubio pro ambiente ou in dubio pro natura , mesmo que isso signifique afrontar uma perspectiva positiva no curto prazo .
4 ) Uma medida tomada com base no princípio da precaução deverá sempre invocá-lo ou , pelo menos , decorrer da aplicação do princípio do desenvolvimento sustentado .
A grande questão reside , pois , em caracterizar a diferença entre a prevenção e a precaução . Parece que a precaução parte sempre de uma orientação preventiva mas , em contarpartida , a prevenção pode não se traduzir em precaução . Dir-se-ia que " o princípio da precaução tem um sentido preventivo . No entanto , estaremos fora do âmbito do princípio se as medidas tomadas o forem perante um risco potencial certo ou comprovado " . Descontadas as diferenças , certa é a contribuição de ambos para reforçar o nível de protecção dos bens ambientais .
O princípio da precaução , em termos substanciais , traduzir-se-ia numa prevenção qualificada , agravada , que jogaria sempre na ausência de certeza científifca , a favor do ambiente - proibindo uma actividade cujo efeito ambiental é desconhecido ou legitimando uma intervenção tendente a evitar um determinado efeito quando se não tem certeza , sequer , se pode haver lesão . Evidentemente que aceitar uma orientação totalmente " precaucionista " significaria fazer do ambiente um valor prevalecente , sempre superior a todos os demais e sem olhar a custos - conclusão que , em virtude do seu " fundamentalismo " será , em regra , de afastar .
Em termos processuais , o princípio , ao inverter o ónus da prova , colocando-o a cargo do eventual poluidor , contribui para um equilíbrio de facto entre as partes nos processos que envolvem questões ambientais . Isto porque normalmente é quem dispõe de mais meios que fica isento de produzir a prova , o que condena à nascença grande número de processos por óbvia carência de meios económicos das partes que são obrigadas a provar o risco de lesão . Obviamente que também aqui há que adoptar um entendimento cauteloso , uma vez que a prova da total inocuidade da actividade eventualmente poluente seria uma verdadeira diabolica probatio .
Feita esta sumaríssima análise , duas dúvidas se nos colocam : Será que o princípio da precaução não é apenas uma versão qualificada do princípio da prevenção , ou seja , uma interpretação deste último princípio num sentido pro ambiente ? E será admissível admitir a leitura fundamentalista deste princípio , que conduz a pôr a protecção do ambiente à frente de todo e qualquer outro objectivo ?
Ora a meu ver tem razão o Professor Vasco Pereira da Silva quando afirma que :Em minha opinião, preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente. E isto pelas seguintes ordens de razões: [...]
b) De conteúdo material, uma vez que nem são unívocos os critérios de distinção entre prevenção e precaução, muito menos os resultados a que conduz a autonomização deste último princípio, cujo conteúdo, algo incerto, pode ir desde uma sensata exigência de ponderação jurídica consideradora da dimensão ambiental dos fenómenos, até a interpretações eco-fundamentalistas, susceptíveis de afastar qualquer realidade nova - a qual, na dúvida, pode ser sempre objecto de irracional desconfiança e, desde logo, considerada "culpada" de lesão ambiental."
b) De conteúdo material, uma vez que nem são unívocos os critérios de distinção entre prevenção e precaução, muito menos os resultados a que conduz a autonomização deste último princípio, cujo conteúdo, algo incerto, pode ir desde uma sensata exigência de ponderação jurídica consideradora da dimensão ambiental dos fenómenos, até a interpretações eco-fundamentalistas, susceptíveis de afastar qualquer realidade nova - a qual, na dúvida, pode ser sempre objecto de irracional desconfiança e, desde logo, considerada "culpada" de lesão ambiental."