quarta-feira, 8 de abril de 2009

1ª Tarefa: Prevenção e Precaução

Quase parece uma tirada do Senhor de La Palisse falar de prevenção ( o princípio da prevenção segundo o qual a melhor política do Ambiente consiste em evitar, na origem, a criação de poluições ou nocividades e não em combate-las, depois da sua ocorrência ) em Direito do Ambiente. Este seria um daqueles domínios em que, por virtude das especificidades próprias do objecto de tutela a prevenção seria um dado adquirido, uma segunda pele da maioria das normas. Contudo, ainda que assim seja, e que mais não fosse porque o civismo ambiental é algo que está a crescer na consciência individual, não podemos deixar de recensear as fontes, os conteúdos e os efeitos deste princípio, para com mais certeza o podermos invocar quando estivermos perante a necessidade de resolução de um problema relacionado directa ou indirectamente com a integridade de algum recurso natural.
Pleonástica poderá parecer a invocação de um outro princípio : o da precaução. À primeira vista prevenir e precaver seriam sinónimos não se vislumbrando razões para a duplicação de termos. Contudo, a diferença existe, ainda que os corolários a retirar do princípio da precaução não sejam pacíficos.
O princípio da prevenção traduz-se em que na iminência de uma actuação humana a qual comprovadamente lesará de forma grave e irreversível, bens ambientais, essa intervenção deve ser travada. Esta orientação deriva de fontes de origem diversa de direito internacional de direito comunitário e de direito interno. Além da enunciação do princípio, há todo um conjunto de medidas que o concretizam, nos mais diversos planos: ao nível procedimental, o princípio da participação é uma tradução da ideia de prevenção na medida em que convida os cidadãos - individualmente ou através de associações - a expressarem as suas posições relativamente a questões ambientais, podendo, através da sua intervenção, evitar a consumação de danos irreversíveis; ao nível da política industrial obriga à realização, em certos casos, de avaliação de impacto ambiental como condição prévia do acto autorizativo de licenciamento de implantação e exploração ( cfr. o Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho ); ao nível da política de educação impõe a inclusão nos currículos escolares - do ensino básico sobretudo - de uma disciplina de educação ambiental a fim de dar pleno cumprimento ao disposto no artigo 66º/2 g) da CRP e no artigo 4º/l) da LBA complementada com outras iniciativas que alertem e motivem os cidadãos para a necessidade de preservação dos recursos naturais; ao nível da política de investigação o incentivo de estudos ligados à temática do ambiente - nomeadamente, às formas de redução da poluição e de minimização dos seus efeitos nefastos( 4 º / f ) da LBA ).

O princípio da precaução é a mais recente aquisição principiológica do Direito do Ambiente. Ele significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza por falta de provas científicas evidentes sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente. incentivando por um lado à antecipação da acção preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e , por outro lado, à proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável - aqui diria o Professor Vasco Pereira da Silva " provas científicas irrefutáveis " o que é isso ? seja lá o que isso for...
Além deste conteúdo substantivo o princípio tem ainda uma importante concretização adjectiva: a inversão do ónus da prova.
Conforme nota Earll, o princípio da precaução, na sua essencia, não é fruto de reflexões científicas mas sim de preocupações práticas e permanentes relativamente ao aumento assustador dos níveis de poluição,mais concretamente da poluição marítima. Com efeito o domínio onde se desenvolveu este princípio até vir a integrar o Direito Internacional do Ambiente foi o mar e a sua defesa contra agressões poluentes. Na Segunda Conferencia Ministerial do Mar do Norte, em 1987, sobre poluição marítima fez a sua primeira aparição tendo depois alcançado projecção mais ampla. Em 1990, foi adoptado pela Declaração da Conferencia governamental de Bergen sobre desenvolvimento sustentado; em 1992 surge no princípio 15 da declaração do Rio:



Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.




no artigo 3 da Convenção-Quadro da ONU sobre as alterações climáticas e no parágrafo 22.5 da Agenda 21.




Também o Direito Comunitário acolheu este princípio. O artigo 130-R na versão pós-Maastricht ( hoje artigo 174 após a renumeração introduzida pelo Tratado de Amesterdão ) faz uma clara referência ao princípio da precaução. Esta previsão pode ter implicações internas , se pensarmos na vinculação dos Estados-Membros ao Direito Comunitário,nomeadamente no caso de Estados,




como Portugal , que ainda não adoptaram expressamente o princípio ao nível dos seus ordenamentos internos como integrante do núcleo de princípios fundamentais do Direito do Ambiente.





O seu estatuto no âmbito do Direito Internacional ainda não está bem definido. Há quem o inclua no leque de princípios gerais do Direito Internacional enquanto outros o reconduzem já à regra de Direito Internacional geral ou comum. Em contrapartida há também autores que em virtude da grande variação de interpretações que envolve o princípio preferem negar-lhe , por ora , o estatuto de princípio geral de Direito Internacional e existem mesmo vozes que lhe negam o estatuto de princípio jurídico , devido à sua grande indefinição. No entanto parece inegável que a ideia de precaução tem ganho progressivamente foros de cidade no Direito Internacional , em múltiplas concretizações no domínio da protecção do ambiente .
É , no entanto , ainda difícil apresentar uma formulação consensual do princípio da precaução . De acordo com BOUDANT " o princípio da precaução implica uma tomada de posição perante uma determinada situação : uma atitude de prudência face a riscos engendrados pela incerteza técnica ou científica. Ele indica uma direcção , não uma regra " . Na maior parte das vezes , afirma MARTIN ele corporiza um objectivo programático cuja mais valia reside precisamente na fluidez - uma vez que esta permite a abertura de um leque de elementos de ponderação .






BARTON , partindo destes pressupostos , avança quatro critérios - directos - que derivam da aplicação do princípio :






1 ) As medidas são tomadas para prevenir danos consideráveis e irrversíveis no meio ambiente , na ausência de provas científicas que atestem o nexo causal entre a actividade e os seus efeitos no meio ambiente. A primeira ideia é , assim , a da ordem para actuar ainda que na ausência de comprovação científica sobre a lesividade da actuação que se vai suspender ou cujas condições de realização se alterarão . Ou seja , quer a gravidade , quer a irreversibilidade do dano , são considerações sujeitas à incerteza , o que significa que a Administração pouco mais terá para basear a sua actuação do que juízos de prognose feitos a partir de dados da experiência obtidos em casos precedentes . Estamos, ao contrário do que sucede quando falamos de prevenção, no domínio da possibilidade - e não da probabilidade, como sucede relativamente àquela .









Nas palavras de Ossenbuhl é preciso distimguir a defesa contra um perigo ( Gefahrenabwehr ) da evitação de um perigo ( Gefahrenvermeidung ) . " A Prevenção pressupõe a previsibilidade do perigo , enquanto a precaução visa antecipar o surgimento de um perigo , o fim de o evitar ". O autor faz mesmo um trocadilho entre o " cuidar antes " ( «Vor-Sorge» ) - a precaução - e o cuidar ( «Sorge» ) - a prevenção . O " cuidar " enfrenta perigos existentes , o "cuidar antes " obriga à adopção de medidas que se antecipem ao perigo hipotético , que previnam um risco . A diferença entre prevenção e precaução resulta , assim , da ténue linha traçada entre o terminus da previsibilidade de um perigo e o início da consideração de um risco .






Como se compreende , uma interpretação estrita do princípio da precaução levaria a que todas as actuações que , com um grau de possibilidade mínimo , pudessem lesar o ambiente , tivessem que ser evitadas , salvo havendo uma certeza quase absoluta sobre a sua inocuidade . Ora, tal atitude seria seria completamente irrealista, dadas as características da sociedade de risco . Com efeito , num tempo em que a técnica subverteu os processos normais de funcionamento dos ecossistemas , tornou-se impossível prevenir todos os danos , porque os dados têm que rever-se continuamente .





Assim sendo o princípio da precaução na sua versão maximalista não é operativo . Daqui se poderia retirar uma de duas conclusões : - ou a des(intervenção) ambiental só é aceitável uma vez comprovado cientificamente o risco ( ou a alta probabilidade da sua ocorrência ) de lesão ambiental grave e irreversível - e aí a diferença entre prevenção e precaução desvanecer-se-ia, e deixaria , concomitantemente , de fazer sentido a autonomização principiológica da segunda ; - ou a des(intervenção) ambiental é aceitável na ausência de certezas científicas sobre a possibilidade de dano , devendo haver então uma especial exigência de ponderação dos interesses em causa .






2 ) O ónus da prova cabe a quem pretenda desenvolver uma determinada actividade cuja lesividade para o ambiente não está cientificamente comprovada . Isto significa inverter o ónus da prova em termos procedimentais e processuais , pois remete-se para quem explora ( ou para quem autoriza a exploração ; a opção da precaução obriga a Administração , quando autoriza projectos sobre os quais paira a dúvida da lesividade para o ambiente , a uma ponderação agravada dos interesses em jogo , apoiada no dever de participação procedimental e traduzida no dever de fundamentação . Facto que leva a uma densificação do conceito de interesse geral , como nota G. Martin ) e não para quem alerta a obrigação de provar que a actividade não trará danos graves e irreversíveis aos recursos naturais . Esta alteração é de uma importância extrema no domínio do Direito do Ambiente , uma vez que , na grande maioria dos casos , é quem sofre a poluição ou quem , pura e altruisticamente , defende a Natureza , que se vê sobrecarregado com o ónus de provar a causalidade entre a acção poluente e o dano - e esta prova envolve normalmente a realização de enormes despesas . Por sua vez, o agente poluidor aguarda cabalmente o desenvolvimento do processo , tendo apenas que se defender quando chegar a altura e detendo para tal meios financeiros muito superiores .





3 ) Para responder à questão de saber se uma actividade causará danos graves e irreversíveis ao ambiente , o risco de erro será sempre computado em favor deste . Na lógica da sociedade de risco , prevenir é sempre melhor que remediar . O princípio da precaução permitiria estabelecer uma ponte entre a capacidade de resposta assente no conhecimento científico e a incapacidade de realizar um prognóstico válido no longo prazo , nota Caliess . " Assim , a segurança veiculada por uma previsão de curto prazo pode ser posta em causa no longo prazo . Enquanto a incerteza se mantenha o princípio da « prioridade da prognose negativa sobre a positiva » deve ser tido em conta " . Havendo incerteza , a decisão é tomada num sentido in dubio pro ambiente ou in dubio pro natura , mesmo que isso signifique afrontar uma perspectiva positiva no curto prazo .





4 ) Uma medida tomada com base no princípio da precaução deverá sempre invocá-lo ou , pelo menos , decorrer da aplicação do princípio do desenvolvimento sustentado .






A grande questão reside , pois , em caracterizar a diferença entre a prevenção e a precaução . Parece que a precaução parte sempre de uma orientação preventiva mas , em contarpartida , a prevenção pode não se traduzir em precaução . Dir-se-ia que " o princípio da precaução tem um sentido preventivo . No entanto , estaremos fora do âmbito do princípio se as medidas tomadas o forem perante um risco potencial certo ou comprovado " . Descontadas as diferenças , certa é a contribuição de ambos para reforçar o nível de protecção dos bens ambientais .





O princípio da precaução , em termos substanciais , traduzir-se-ia numa prevenção qualificada , agravada , que jogaria sempre na ausência de certeza científifca , a favor do ambiente - proibindo uma actividade cujo efeito ambiental é desconhecido ou legitimando uma intervenção tendente a evitar um determinado efeito quando se não tem certeza , sequer , se pode haver lesão . Evidentemente que aceitar uma orientação totalmente " precaucionista " significaria fazer do ambiente um valor prevalecente , sempre superior a todos os demais e sem olhar a custos - conclusão que , em virtude do seu " fundamentalismo " será , em regra , de afastar .





Em termos processuais , o princípio , ao inverter o ónus da prova , colocando-o a cargo do eventual poluidor , contribui para um equilíbrio de facto entre as partes nos processos que envolvem questões ambientais . Isto porque normalmente é quem dispõe de mais meios que fica isento de produzir a prova , o que condena à nascença grande número de processos por óbvia carência de meios económicos das partes que são obrigadas a provar o risco de lesão . Obviamente que também aqui há que adoptar um entendimento cauteloso , uma vez que a prova da total inocuidade da actividade eventualmente poluente seria uma verdadeira diabolica probatio .





Feita esta sumaríssima análise , duas dúvidas se nos colocam : Será que o princípio da precaução não é apenas uma versão qualificada do princípio da prevenção , ou seja , uma interpretação deste último princípio num sentido pro ambiente ? E será admissível admitir a leitura fundamentalista deste princípio , que conduz a pôr a protecção do ambiente à frente de todo e qualquer outro objectivo ?


Ora a meu ver tem razão o Professor Vasco Pereira da Silva quando afirma que :Em minha opinião, preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente. E isto pelas seguintes ordens de razões: [...]
b) De conteúdo material, uma vez que nem são unívocos os critérios de distinção entre prevenção e precaução, muito menos os resultados a que conduz a autonomização deste último princípio, cujo conteúdo, algo incerto, pode ir desde uma sensata exigência de ponderação jurídica consideradora da dimensão ambiental dos fenómenos, até a interpretações eco-fundamentalistas, susceptíveis de afastar qualquer realidade nova - a qual, na dúvida, pode ser sempre objecto de irracional desconfiança e, desde logo, considerada "culpada" de lesão ambiental."