Antes de mais, cabe traçar a distinção entre a perspectiva antropocêntrica e a perspectiva ecocêntrica do Direito do Ambiente.
A perspectiva antropocêntrica centra-se na protecção subjectiva/individual do ambiente na medida em que reconhece ao Homem um direito ao ambiente, direito esse que resultou da necessidade de adaptar a posição do indivíduo face aos novos desafios das modernas sociedades e da consequente evolução histórica daquele que é o fundamento de todos os direitos humanos – a dignidade da pessoa humana.
No que toca à perspectiva ecocêntrica, esta já se centra numa protecção objectiva do ambiente, numa protecção independente dos sujeitos, pois o mesmo é visto como um bem em si mesmo e que, como tal, deverá gozar de tutela da parte do Direito. Isto implicou para o Estado moderno a inevitável assunção de uma nova tarefa – a protecção do ambiente – permitindo mesmo a caracterização daquele como o Estado de Direito do Ambiente.
No Direito do Ambiente estão presentes ambas as perspectivas, porque tanto existem direitos subjectivos das pessoas relativamente ao ambiente, no âmbito das relações jurídicas (públicas e privadas) que estabelecem entre si, como a tutela objectiva de bens ambientais enquanto bens jurídicos, que impõe a existência de deveres de actuação e de abstenção de autoridades públicas e privadas.
Seguindo o entendimento de Vasco Pereira da Silva, parece que a melhor forma de tutelar o ambiente é a que decorre da lógica da protecção jurídica individual, ou seja, da tomada de consciência pelas pessoas dos direitos que possuem neste domínio, e isto porque a subjectivização da protecção do ambiente, criando aquela espécie de egoísmo que faz com que cada um se interesse pelos assuntos do Estado como se fossem os seus, possibilita a associação dos diversos sujeitos privados e públicos na realização do Estado de Direito de Ambiente.
Para tal, teremos, então, de integrar a tutela do ambiente no âmbito da protecção jurídica subjectiva, mediante o recurso aos direitos fundamentais, e considerando que as normas reguladoras do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos particulares que, desta forma, são titulares de direitos subjectivos públicos. Só a consagração de um direito fundamental ao ambiente pode assegurar a adequada defesa contra agressões ilegais, provenientes de entidades públicas e privadas, na esfera individual protegida pelas normas constitucionais.
O entendimento em análise apresenta ainda outras duas vantagens:
1. Permite uma correcta ponderação de todos os valores em presença na medida em que, ao fazer radicar a protecção do ambiente na dignidade da pessoa humana através da consagração de direitos fundamentais, é devidamente reconhecida a dimensão ético-jurídica das questões ambientais; e
2. Afasta visões ambientalistas viradas para a protecção maximalista do ambiente mesmo à custa do sacrifício de outros direitos fundamentais.
De salientar que o autor supra citado, apesar de optar pela protecção do ambiente de acordo com um modelo predominantemente subjectivo, que é uma condição da realização da dignidade da pessoa humana, defende que tal não exclui de todo a protecção objectiva dos bens ambientais. Pelo contrário, a tutela subjectiva deve ser sempre acompanhada pela tutela objectiva dos bens ambientais, enquanto bens jurídicos necessitados de tutela no quadro das relações humanas. Nestes termos, Vasco Pereira da Silva defende aquilo a que chama de “antropocentrismo ecológico”, rejeitando quer uma visão meramente instrumentalizadora do ambiente quer o fundamentalismo jurídico e ecológico, que reclama a personificação das realidades da Natureza, falando até em direitos subjectivos das mesmas.
A concepção antropocêntrica ecológica do Direito do Ambiente acabada de expor faz cair por terra os termos tradicionais da contraposição entre antropocentrismo e ecocentrismo. E não só parece ser esta a posição teoricamente mais adequada como também a que melhor corresponde ao disposto na nossa Constituição.
Com efeito, a Constituição portuguesa ocupa-se da questão da protecção do ambiente na dupla perspectiva de tarefa estadual e de direito fundamental. Ora vejamos.
No artigo 9.º alíneas d) e e), a Constituição consagra, respectivamente, como tarefas fundamentais do Estado a defesa da natureza e do ambiente e a efectivação dos direitos ambientais. Está em causa a consagração de um princípio jurídico objectivo que estabelece finalidades de tutela ecológica a atingir. Trata-se de uma norma programática, que fixa um programa de actuação, o qual deve ser concretizado através dos diferentes poderes do Estado. No que toca mais concretamente à alínea e), introduzida pela revisão constitucional de 1997, esta vem como que fazer a ponte entre a tutela objectiva e a tutela subjectiva do ambiente ao fazer referência à promoção dos direitos ambientais como tarefa estadual, ao mesmo tempo que parece mostrar a preferência do legislador constituinte por um modelo predominantemente subjectivista.
Já no artigo 66.º, que é o preceito que mais nos interessa neste comentário, a Constituição consagra também, expressamente, o direito ao ambiente como direito fundamental, o que representa uma clara opção pela protecção jurídica subjectiva do ambiente, dado que os direitos fundamentais constituem posições substantivas de vantagem dos indivíduos dirigidas, em primeira linha, contra o Estado e, em segunda linha, contra as entidades privadas.
Para terminar, há agora que fazer alusão às principais consequências da opção tomada pelo legislador constitucional, i. e., da consagração constitucional do direito ao ambiente.
Em primeiro lugar, é esse direito subjectivo ao ambiente, enquanto direito de defesa contra agressões ilegais na esfera individual protegida pela Constituição, que constitui o fundamento da existência de relações jurídico-públicas de ambiente.
Em segundo lugar, também é esse direito fundamental ao ambiente que permite a consideração do alargamento da titularidade de direitos subjectivos nas relações jurídicas ambientais, que não podem mais ser vistas apenas como as clássicas ligações bilaterais (autoridade administrativa/ particular), antes constituindo verdadeiras relações jurídicas multilaterais, que podem envolver distintos sujeitos em cada um dos lados dessa ligação.
Em terceiro lugar, o direito ao ambiente, enquanto direito de defesa contra agressões ilegais, goza do regime dos direitos, liberdades e garantias, vinculando entidades públicas e privadas (artigos 17.º e 18.º da Constituição).
Em quarto e último lugar, a vinculação das entidades privadas pelo Direito do Ambiente permite a recondução à Constituição do universo das relações jurídicas privadas de ambiente, subsumindo no conteúdo desse direito fundamental todas aquelas normas que estabelecem direitos e deveres dos privados relevantes em matéria de ambiente, como é o caso, por exemplo, da regulação das relações de vizinhança (artigos 1346.º e ss. do Código Civil) ou da responsabilidade civil (artigos 483.º e ss. do Código Civil).
Para concluir, pode dizer-se, então, que a Constituição é verde por causa da Natureza [artigo 9.º/d)] mas, acima de tudo, é-o por nossa causa [artigo 9.º/e) e 66.º].