segunda-feira, 6 de abril de 2009

4ª Tarefa – De que falamos quando falamos de Ambiente?

A interrogação proposta deixa um repto: definir “ambiente”. Aceitemo-lo.

A Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de Abril), no seu art. 5º, nº 2, al. A), entende por ambiente “o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem”. Sob estas palavras, descobre o comentador João Pereira Reis “uma noção ampla de ambiente, que não se restringe aos elementos naturais, antes abarcando os factores económicos, culturais e sociais”. Na opinião do autor citado, a noção perfilhada tem “subjacente a ideia de que «ambiente» é tudo aquilo que nos rodeia – um pouco na linha da raiz latina da palavra ambiente – e que influencia directa ou indirectamente a nossa qualidade de vida e os seres vivos que constituem a biosfera”. Dito isto, “bem se compreende, pois, que partindo de um conceito amplo de ambiente, o legislador tivesse decomposto o termo em dois grandes grupos a que chamou «componentes ambientais naturais» e «componentes ambientais humanos», a eles dedicando respectivamente o capítulo II e III da Lei de Bases” – conclui o glosador.

Já a Constituição da República Portuguesa (doravante, C.R.P.) não é tão exaustiva. Lendo o seu art. 66º, não acharemos qualquer definição per genus et differentiam de “ambiente” – mas tão só um catálogo de directrizes, que ao Estado incumbirá prosseguir “para assegurar o direito ao ambiente” (art. 66º, nº 2, corpo, C. R. P.). Se “a Constituição não define ambiente”, como bem anunciam Gomes Canotilho e Vital Moreira, não deixa, porém, de o relacionar com a “qualidade de vida”. Contudo, avisam os professores nomeados, “não distingue intrinsecamente estes dois conceitos”, esclarecendo ainda que “este conceito não se identifica com o de ambiente”. O que terá, então, a C. R. P. por “ambiente”? Jorge Miranda e Rui Medeiros nem sequer reconhecem à questão pertinência: pura e simplesmente, não a levantam. A Escola de Coimbra, por seu turno, pressente nesta disposição “um conceito, simultaneamente, estrutural, funcional e unitário de ambiente”: unitário, na medida em que toma o ambiente como “conjunto de sistemas ecológicos, físicos, químicos e biológicos e de factores económicos, sociais e culturais” – à semelhança do que faz a Lei de Bases do Ambiente –; estrutural e funcional, “pois os sistemas físicos, químicos e biológicos e os factores económicos, sociais e culturais, além de serem interactivos entre si, produzem efeitos, directa ou indirectamente, sobre unidades existenciais vivas e sobre a qualidade de vida do homem” – à semelhança do que, partindo do art. 5º, nº 2, al. a), da Lei de Bases do Ambiente, declara João Pereira Reis.

Posto isto, qual a diferença entre o conceito de “ambiente” vertido na Lei de Bases e o conceito de “ambiente” subentendido no art. 66º, C. R. P. ? Nenhuma, embora não nos pareça que se adivinhem no art. 66º, C. R. P. tantas linhas conceptuais – ingenuamente. Retomemos, no entanto, a ideia de “qualidade de vida”, uma vez que nela radica a distinção fundamental entre a Lei de Bases do Ambiente e a C. R. P. Sem abandonar a doutrina que nos vem guiando, leia-se a seguinte afirmação: “A Constituição estabelece, acertadamente, a articulação entre ambiente e qualidade de vida: o ambiente é um valor em si, na medida em que também o é para a manutenção da existência e o alargamento da felicidade dos seres humanos (teleologia antropocêntrica)”. Quer isto dizer que o ambiente não é um valor em si, mas um instrumento ao serviço da “qualidade de vida”: não é conciliável com uma perspectiva absolutista (em si) – o númeno, na linguagem kantiana – uma perspectiva relativista (para si) – o fenómeno, segundo o mesmo autor. A qual das perspectivas deverá, pois, ser reconhecido assento constitucional? À absolutista, para o que bastará a leitura do nº1 do art. 66º, C. R. P. : “Todos têm direito a um ambiente da vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.” Não se entrevê, aqui, qualquer “teleologia antropocêntrica”, porque o direito ao ambiente não serve um ou vários fins (teleologia, no sentido que lhe emprestou Aristóteles) humanos (antropocentrismo, no sentido que lhe deu o humanismo renascentista): antes é um valor em si, sem outras condições que não semânticas. A "qualidade de vida", aliás, não transpõe sequer a epígrafe do preceito constitucional. E o seu nº2, de per si, nenhuma linha conceptual adianta. De qualquer maneira, convém não deixar passar em branco que Gomes Canotilho e Vital Moreira não estão sozinhos: o Juiz Conselheiro Mário José de Araújo Torres, em Princípios Fundamentais do Direito do Ambiente (in Textos (Centro de Estudos Judiciários), II volume, 1996, pp. 239-256), chega mesmo a afirmar que "face aos textos fundamentais nesta matéria - a Constituição da República Portuguesa de 1976 e a Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de Abril) -, é difícil contestar que o legislador português adoptou uma concepção antropocêntrica de ambiente".

De que falamos, então, quando falamos de Ambiente? Socorrendo-nos, uma vez mais, da lição de João Pereira Reis, “podemos, assim, dizer em síntese que o ambiente é composto pelos seguintes factores: o ar; a luz; a água; o solo e o subsolo; a flora; a fauna; a paisagem; o património construído; a poluição”. Que a raiz desta noção de “ambiente” se encontre na C. R. P. não nos parece uma conclusão válida, a não ser que nos deixemos obcecar pela teoria da hierarquia das fontes.