segunda-feira, 27 de abril de 2009

2ª tarefa: O legislador não tem Bobi

O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 229/2007 gira, essencialmente, em torno da temática da incompetência orgânica dos tribunais judiciais para aferirem da prática de actos administrativos. Pouco, ou nada, tem a ver com os chamados “Direitos dos animais”. O que não deixa de ser irónico, visto que para os ferozes adeptos dos Direitos dos Animais o DL 314/2003 pode ser entendido como um instrumento legislativo capaz de marcar toda a diferença na vida do animal (que pode, a qualquer altura, ser levado do seu lar…).
Do DL 314/2003 não resulta de todo nenhum direito subjectivo consagrado ao animal: tudo se centra na “tranquilidade da vizinhança, ou a qualidade de vida em que pode interferir a instalação de animais em habitações”.
Desde o uso do açaime (art. 7º) até à captura e detenção do animal (arts. 3º e 8º), em nenhum lado surge alguma preocupação com o bem-estar do animal, nem com o seu futuro. Certamente que o Bobi preferiria viver num apartamento com 7 dos seus pares do que ir viver num canil por um “período mínimo de 8 dias”, cujo fim pode levar irremediavelmente à sua eliminação (isto é deveras hitleriano, se me permitem o aparte) (art. 10º). Certamente que ninguém lho perguntou, nem o legislador com isso se preocupou.
Fica claro que, de acordo com o espírito do DL 314/2003, o Bobi não é mais do que uma coisa (de notar que a doutrina diverge: para o Prof. Menezes Cordeiro, coisa é “toda a realidade figurativamente delimitada a que o Direito dispense um estatuto historicamente determinado para os seres inanimados”). Também na Alemanha se optou pela adopção de um terceiro género: o dos animais. Porém, tal não passa de uma questão de cosmética jurídica, visto que aos animais se aplica o regime reservado às coisas, apenas com a diferença de que não são “coisas”. Enfim, preciosismos.
Inevitavelmente, esta linha de discussão levará à (já velha) questão de saber se os animaizinhos podem ou não ser sujeitos de direitos subjectivos: são ou não titulares de direitos?
Em 1º lugar, ser titular de direitos, implica forçosamente ser titular de deveres. E nunca se viu em tempo algum o Bobi ser multado por aquilo que fez no passeio.
Em 2º lugar, é certo que o legislador não tinha essa intenção. Toda a regulamentação a respeito da vivência dos “animais de companhia” teve como fim tutelar interesses humanos.
Em 3º lugar, a tutela que já vai sendo atribuída aos animais (como a protecção de espécies em vias de extinção), visa em primeira linha interesses humanos: a protecção do ecossistema não é apenas um interesse dos outros animaizinhos, mas também um interesse do bicho homem, pelo que se nos damos ao trabalho de proteger o habitat dos outros animais, a verdade é que estamos a proteger o nosso habitat.
Outro argumento que vai exactamente ao encontro deste raciocínio é o facto de que não pretendemos proteger todos os animais, mas só aqueles que são “animais de companhia” ou “animais em vias de extinção”. E porquê? Precisamente porque são aqueles que nos interessam. Aqueles que importa ao ser humano tutelar, quer por motivos afectivo-sociais, quer por motivos de manutenção do habitat. Ninguém consagrou um “direito à vida de todos os animais, em situação de igualdade”, tutelamos antes condições que permitam uma melhor convivência entre o homem e o animal, salientando sempre o que é melhor para o homem. Além disso, dizer o contrário implicaria existirem animais de primeira, ou animais “mais fofinhos” em detrimento dos que seriam animais de segunda ou mais feios. E se ninguém quer isso em relação às pessoas, porquê fazê-lo em relação aos animais?
Dir-se-á que me afasto cada vez mais do Acórdão TC nº 229/2007, que me propus a analisar. Porém, no que respeita à temática dos Direitos dos Animais, o Acórdão nº 229/2007 nada vem a acrescentar, precisamente porque nada há a acrescentar. O Tribunal Constitucional vem declarar inconstitucional o art. 3º/6 do DL 314/2003 devido a uma violação da competência relativa do Parlamento para legislar sobre a matéria, o que em nada beneficia ou prejudica a situação dos animais. Em relação a isto, nada a dizer além de que o Tribunal Constitucional agiu bem: efectivamente, trata-se de matéria da competência do Parlamento, pelo que se terá de propugnar por uma decisão de inconstitucionalidade. O DL 314/2003 vem regular situações de co-habitação entre seres humanos e animais, principalmente em situações de vizinhança próxima, mas não visa tutelar direitos do animal, mas sim garantir que direitos e liberdades dos seres humanos não saem beliscados dessa co-habitação. Exemplo mais claro desta protecção dos direitos do ser humano face aos direitos do animal é o do DL 312/2003, que regula o regime jurídico de detenção de animais perigosos.
Conclusões a retirar: o legislador não visa, de modo algum, tutelar ou garantir melhores condições para o animal. Retira-se, a contrario sensu, a noção de animal como uma coisa ao serviço do Homem, sendo que essa “prestação de serviços” (quer falemos em damas de companhia, companheiros de caça, policias ou cobaias) sofre uma regulamentação que visa salvaguardar o Homem nessa relação. Mesmo o DL 276/2001, que faz a aplicação da Convenção Europeia para protecção de animais de companhia, pode ser entendido como regulando, em última instância, interesses humanos: o Homem tenta impor a si mesmo limites no tratamento de animais, com base na noção de responsabilidade para com os outros seres.