Diariamente, milhares de animais são explorados e submetidos às mais variadas formas de maus tratos... Estes são utilizados para os mais variados propósitos desde a alimentação, vestuário, companhia, entretenimento, experiências científicas... Na base dessa utilização, tantas vezes desmesurada, encontramos a premissa que consagra a superioridade do Homem, enquanto ser racional e pensante, sobre os demais seres vivos. Esta concepção antropocêntrica, que faz do Homem o centro do universo, acaba por reduzir a Natureza a um elemento a ser usado (e abusado). Neste contexto os animais são vistos como bens a serem explorados, que apenas possuirão relevância na medida em que representem alguma utilidade para os Homens. Assim, desde logo nos apercebemos que, segundo esta visão, tanto a Natureza como os animais deixam de ter valor em si mesmos, transformando-se em meros recursos ambientais. Como alternativa a este paradigma antropocêntrico, nao têm faltado autores a reclamar a protecção da vida enquanto centro gravitacional. Para estes defensores do biocentrismo, todas as formas de vida, são igualmente importantes, sendo-lhes reconhecido valor próprio. Não se bastando, alguns vão ainda mais longe, defendendo não apenas a necessidade de tutela jurídica aos animais, mas afirmando a possibilidade dos mesmos serem titulares de direitos subjectivos, ou seja, não se conformam com uma conotação meramente passiva que encerra nos animais a marca de entes protegidos. Há que encontrar um ponto de equilíbrio entre estas duas teorias tão dispares, sob pena de cairmos num radicalismo insustentável. Nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, temos de alcançar um “antropocentrismo ecológico, uma consciência social de que o Homem é em si mesmo parte integrante na Natureza e como tal, sujeito deste Direito ao Ambiente que alguns negam.
Hoje não temos dúvidas que o nosso Direito possui uma marca antropocêntrica bastante firme, aos animais não é reconhecido qualquer tipo de direitos subjectivos, sendo antes inseridos no conceito de “coisa” à luz do artigo. 202º nº2 CC, passíveis de serem objecto de relações jurídicas, e ainda susceptíveis de ocupação, por força do disposto no artigo. 1318º CC. Os animais passam a ser tratados, via de regra, como mera mercadoria, matéria prima ou produto de consumo, negando por completo a sua condição de seres sensíveis. São considerados propriedade perante a lei, moralmente excluídos da nossa comunidade moral...
Esta questão tem sido objecto de grande desenvolvimento jurisprudencial, e de maior controvérsia na doutrina, nomeadamente a propósito dos singulares casos das touradas e dos animais de circo nos quais o problema se coloca com maior acuidade. Tal acontece pelo facto destas actividades serem consideradas integrantes do património cultural constitucionalmente tutelado por força no disposto no artigo.9º nº1 e) CRP, traduzindo-se, portanto, na verificação de um verdadeiro conflito de direitos.
Embora concordando com a sua qualificação enquanto coisas ( resquício do tal modelo antropocentrista em que tudo no universo deveria ser avaliado de acordo com a sua relação com o Homem), defendo, em consonância com o entendimento propugnado pelo Professor Menezes Cordeiro, a especialidade e a especificidade da tutela reconhecida aos animais, na medida em que está abarcada pela protecção do ambiente, que à luz da nossa Constutição, no seu artigo 66º, assume o cariz de Direito Fundamental. Como tal aos animais é lhes então reconhecida uma maior protecção, sendo merecedores de uma existência digna, embora não tenham direitos que lhes assistam directamente, carecendo sempre de intervenção humana para os proteger.
Impondo a nossa CRP a protecção do ambiente, e de acordo com o supra mencionado, esta enquadrará também a tutela dos animais, como tarefa fundamental do Estado, temos vindo a assistir progressivamente ao abandono das puras teorias antropocêntricas a favor de um modelo que assume a vida como elemento e princípio primordial. Por exemplo na sujeição de determinadas actividades, como a circense, a autorização da entidade competente em função da preservção da integridade do animal, ou até mesmo, na proibição das “touradas de morte”.Todavia, a jeito de conclusão, não devemos esquecer que, em última análise, a protecção dos animais visa a satisfação do Homem, daí que a Lei 92/95 De 12 de Setembro não assente na titularidade de direitos por parte dos animais, mas antes na sua protecção contra “violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal. “ ( artigo 1º n.1 ). Veda-se portanto qualquer acto puramente cruel ou discricionário, sem justificação ou tradição cultural bastante que possa pôr em causa a integridade do próprio animal.