“A compaixão para com os animais é das mais nobres virtudes da natureza humana”
DARWIN, Charles
“A Relação de Guimarães, afirmou no Ac. de 29/10/2003, que: a actividade de tiro coordenada pela Federação Portuguesa de Tiro com Armas de Caça é ilícita, no actual ordenamento jurídico português, tendo em conta a interpretação da Lei nº 92/95, de 12/9, à luz da perspectiva actualista”.
“Por seu turno, o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 19/10/2004, conclui que”(…)a prática desportiva de tiro ao voo de pombos não se enquadra na proibição a que se reporta o proémio e o nº 1 do art.1º, nem o seu nº3, alínea e), da Lei nº 92/95, de 12/9, pelo que não é proibida no nosso ordenamento jurídico”
In revista: Direito Privado Nº12 Outubro/Dezembro 2005
Considero a prática de “Tiro aos pombos” cruel e revoltante, sem justificação, onde milhares de pombos são brutalmente mutilados ficando a agonizar até à morte, sem quaisquer cuidados para reduzirem o sofrimento.
Em Portugal, em finais de 1861, o Projecto da comissão do Código Penal Português (Código Penal de D, Pedro V) estabeleceu o primeiro ensaio de protecção dos animais na legislação portuguesa. Aí se previa que a “destruição, por qualquer modo, de animal doméstico” seria punida com pena de prisão.
Em 1919, surge a primeira lei relacionada com a protecção dos animais, como consta no “Decreto nº 5650, de 10/5, que nos seus cinco artigos considera punível toda a violência contra animais, incorrendo o seu autor numa pena de multa (…) se converter em prisão efectiva”.”Estabelece ainda a legitimidade processual das associações protectoras dos animais”. Ou seja, legaliza as associações que se formaram com o objectivo acolher os animais, passando a conquistar o respeito do homem.
É de referir que, a legislação reconhece que os animais merecem protecção “é uma realidade que se vem expressando não só ao nível do direito público, mas também do direito privado”.
Verifica-se uma evolução relativamente ao estatuto dos animais em vários países da Europa, onde estes são protegidos de acordo com leis especiais e “não vistos como coisas”, como acontece nos códigos civis austríaco, alemão e suíço, não implicando necessariamente o reconhecimento da sua personificação. Questão que se poderá colocar é se estas alterações melhoram de facto a situação jurídica dos animais ou será apenas uma legislação meramente simbólica, desprovida de conteúdo jurídico real. Na minha opinião, considero que se trata de uma evolução do direito em considerar que um ser vivo que tem de ser protegido, citando José Tavares quando diz “existe uma tutela jurídica que lhes (animais) é indirectamente dispensada, não por serem sujeitos de direito”.
De facto considero chocante a argumentação do Supremo Tribunal de Justiça quando afirma: “a circunstância de antes da libertação dos pombos lhes serem arrancadas algumas penas da cauda, ao que parece com vista a imprimir-lhes a irregularidade do voo, não pode ser considerada nem lesão, nem geradora de sofrimento cruel”, “conforme resulta da experiência comum, os pombos reproduzem-se facilmente, não há risco da sua extinção, e a própria prática desportiva em causa constitui um factor de promoção do crescimento da espécie” e “o conceito de necessidade em análise significa o resultado de uma valoração de confronto entre a preservação dos animais na sua vida e integridade física e o seu sacrifício socialmente útil e justificado ou útil em função do interesse das pessoas ou da comunidade”. Pareceres jurídicos dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e Diogo Freitas do Amaral, que defendem a tese da legalidade desta prática, vieram a influenciar, embora não vinculadamente, a decisão deste tribunal.
Honestamente, não vejo onde está a utilidade de matar pombos para belo prazer, porque o argumento da necessidade para a manutenção e aperfeiçoamento da perícia no manejo de armas de fogo de caça já foi refutado, visto existir outras opções que têm os mesmos objectivos e alcançam os mesmos resultados, o tiro aos pratos e às hélices mecânicas.
Como pode o tribunal não considerar lesão e sofrimento cruel quando são-lhes retiradas as penas da cauda para terem um voo errático e depois fechados em caixas onde são mantidos até que os atiradores dêem uma ordem para que estas sejam abertas, após o que os pombos, em pânico e já diminuídos nas suas capacidades de voo, voam procurando a liberdade, mas para serem imediatamente alvejados. É muito comum que estes animais não tenham morte instantânea, caindo no campo de tiro ainda vivos e conscientes, ficando a agonizar, por vezes durante várias horas, até que os "assistentes de campo" - contratados para este efeito - os encontrem e matem por quebra do pescoço. Na verdade, estes animais não têm qualquer hipótese de sobreviver. Os poucos que, embora alvejados, conseguem sobreviver e sair do alcance do campo acabam por morrer dos ferimentos, ou então, mesmo que não tenham sido alvejados, acabam por não ser capazes de sobreviver por terem as suas capacidades de voo amplamente reduzidas por lhes terem sido removidas as penas da cauda - as "guias". Toda esta actuação encontra-se manifestamente proibida no artigo 1º da Lei 92/95.
Considero abominável que pelo facto de os pombos não correrem risco de extinção, possa ser um argumento válido para esta prática (argumento da não identidade), que a meu ver de desportiva nada tem. Ao longo dos anos tem-se assistido a técnicas de promoção do crescimento da espécie canário, e no entanto esta não é usada para a pratica em causa, então porquê usar os pombos??
É de lamentar a argumentação deste tribunal, que não só não respeita a Lei de Protecção dos Animais, como tem a indecência em afirmar que, visto civilmente os animais tratarem-se de coisas móveis, não faz sentido de que a morte de pombos ofende o seu direito à vida ou à integridade.
Como comparar esta prática com a caça e a pesca desportiva quando não têm nada de semelhante, quanto mais não seja pelo facto de no final, os peixes e a caça servem para consumo dos próprios, o mesmo não acontecendo com os pombos.
Conforme defende Bacelar Gouveia, a Constituição “contém uma orientação a favor da Natureza (…) o legislador deve assumir o caminho de beneficiar a Natureza e de a defender contra a actividade agressiva do Homem”, presente nos artigos 66º e 9º, d) e e), o que nos leva a defender que o tiro aos pombos vai contra os valores constitucionalmente defendidos.
Há luz da letra e espírito do artigo 1º/1 da Lei nº 92/95, sendo uma cláusula geral de proibição de violências injustificadas sobre animais, o exercício de tiro aos pombos é proibido, não se podendo entender justificado pelo argumento supra defendido.
De realçar que esta prática é proibida por lei em quase toda a União Europeia, só é permitido em Espanha e Andorra, seria uma boa aposta legislar sobre esta matéria e acabar de vez com esta situação legislativa dúbia.
Em suma, no que se refere à protecção dos animais e em particular à prática “Tiro aos pombos”, concordo totalmente com a decisão da Relação de Guimarães ao considerar esta prática ilícita.
DARWIN, Charles
“A Relação de Guimarães, afirmou no Ac. de 29/10/2003, que: a actividade de tiro coordenada pela Federação Portuguesa de Tiro com Armas de Caça é ilícita, no actual ordenamento jurídico português, tendo em conta a interpretação da Lei nº 92/95, de 12/9, à luz da perspectiva actualista”.
“Por seu turno, o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 19/10/2004, conclui que”(…)a prática desportiva de tiro ao voo de pombos não se enquadra na proibição a que se reporta o proémio e o nº 1 do art.1º, nem o seu nº3, alínea e), da Lei nº 92/95, de 12/9, pelo que não é proibida no nosso ordenamento jurídico”
In revista: Direito Privado Nº12 Outubro/Dezembro 2005
Considero a prática de “Tiro aos pombos” cruel e revoltante, sem justificação, onde milhares de pombos são brutalmente mutilados ficando a agonizar até à morte, sem quaisquer cuidados para reduzirem o sofrimento.
Em Portugal, em finais de 1861, o Projecto da comissão do Código Penal Português (Código Penal de D, Pedro V) estabeleceu o primeiro ensaio de protecção dos animais na legislação portuguesa. Aí se previa que a “destruição, por qualquer modo, de animal doméstico” seria punida com pena de prisão.
Em 1919, surge a primeira lei relacionada com a protecção dos animais, como consta no “Decreto nº 5650, de 10/5, que nos seus cinco artigos considera punível toda a violência contra animais, incorrendo o seu autor numa pena de multa (…) se converter em prisão efectiva”.”Estabelece ainda a legitimidade processual das associações protectoras dos animais”. Ou seja, legaliza as associações que se formaram com o objectivo acolher os animais, passando a conquistar o respeito do homem.
É de referir que, a legislação reconhece que os animais merecem protecção “é uma realidade que se vem expressando não só ao nível do direito público, mas também do direito privado”.
Verifica-se uma evolução relativamente ao estatuto dos animais em vários países da Europa, onde estes são protegidos de acordo com leis especiais e “não vistos como coisas”, como acontece nos códigos civis austríaco, alemão e suíço, não implicando necessariamente o reconhecimento da sua personificação. Questão que se poderá colocar é se estas alterações melhoram de facto a situação jurídica dos animais ou será apenas uma legislação meramente simbólica, desprovida de conteúdo jurídico real. Na minha opinião, considero que se trata de uma evolução do direito em considerar que um ser vivo que tem de ser protegido, citando José Tavares quando diz “existe uma tutela jurídica que lhes (animais) é indirectamente dispensada, não por serem sujeitos de direito”.
De facto considero chocante a argumentação do Supremo Tribunal de Justiça quando afirma: “a circunstância de antes da libertação dos pombos lhes serem arrancadas algumas penas da cauda, ao que parece com vista a imprimir-lhes a irregularidade do voo, não pode ser considerada nem lesão, nem geradora de sofrimento cruel”, “conforme resulta da experiência comum, os pombos reproduzem-se facilmente, não há risco da sua extinção, e a própria prática desportiva em causa constitui um factor de promoção do crescimento da espécie” e “o conceito de necessidade em análise significa o resultado de uma valoração de confronto entre a preservação dos animais na sua vida e integridade física e o seu sacrifício socialmente útil e justificado ou útil em função do interesse das pessoas ou da comunidade”. Pareceres jurídicos dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e Diogo Freitas do Amaral, que defendem a tese da legalidade desta prática, vieram a influenciar, embora não vinculadamente, a decisão deste tribunal.
Honestamente, não vejo onde está a utilidade de matar pombos para belo prazer, porque o argumento da necessidade para a manutenção e aperfeiçoamento da perícia no manejo de armas de fogo de caça já foi refutado, visto existir outras opções que têm os mesmos objectivos e alcançam os mesmos resultados, o tiro aos pratos e às hélices mecânicas.
Como pode o tribunal não considerar lesão e sofrimento cruel quando são-lhes retiradas as penas da cauda para terem um voo errático e depois fechados em caixas onde são mantidos até que os atiradores dêem uma ordem para que estas sejam abertas, após o que os pombos, em pânico e já diminuídos nas suas capacidades de voo, voam procurando a liberdade, mas para serem imediatamente alvejados. É muito comum que estes animais não tenham morte instantânea, caindo no campo de tiro ainda vivos e conscientes, ficando a agonizar, por vezes durante várias horas, até que os "assistentes de campo" - contratados para este efeito - os encontrem e matem por quebra do pescoço. Na verdade, estes animais não têm qualquer hipótese de sobreviver. Os poucos que, embora alvejados, conseguem sobreviver e sair do alcance do campo acabam por morrer dos ferimentos, ou então, mesmo que não tenham sido alvejados, acabam por não ser capazes de sobreviver por terem as suas capacidades de voo amplamente reduzidas por lhes terem sido removidas as penas da cauda - as "guias". Toda esta actuação encontra-se manifestamente proibida no artigo 1º da Lei 92/95.
Considero abominável que pelo facto de os pombos não correrem risco de extinção, possa ser um argumento válido para esta prática (argumento da não identidade), que a meu ver de desportiva nada tem. Ao longo dos anos tem-se assistido a técnicas de promoção do crescimento da espécie canário, e no entanto esta não é usada para a pratica em causa, então porquê usar os pombos??
É de lamentar a argumentação deste tribunal, que não só não respeita a Lei de Protecção dos Animais, como tem a indecência em afirmar que, visto civilmente os animais tratarem-se de coisas móveis, não faz sentido de que a morte de pombos ofende o seu direito à vida ou à integridade.
Como comparar esta prática com a caça e a pesca desportiva quando não têm nada de semelhante, quanto mais não seja pelo facto de no final, os peixes e a caça servem para consumo dos próprios, o mesmo não acontecendo com os pombos.
Conforme defende Bacelar Gouveia, a Constituição “contém uma orientação a favor da Natureza (…) o legislador deve assumir o caminho de beneficiar a Natureza e de a defender contra a actividade agressiva do Homem”, presente nos artigos 66º e 9º, d) e e), o que nos leva a defender que o tiro aos pombos vai contra os valores constitucionalmente defendidos.
Há luz da letra e espírito do artigo 1º/1 da Lei nº 92/95, sendo uma cláusula geral de proibição de violências injustificadas sobre animais, o exercício de tiro aos pombos é proibido, não se podendo entender justificado pelo argumento supra defendido.
De realçar que esta prática é proibida por lei em quase toda a União Europeia, só é permitido em Espanha e Andorra, seria uma boa aposta legislar sobre esta matéria e acabar de vez com esta situação legislativa dúbia.
Em suma, no que se refere à protecção dos animais e em particular à prática “Tiro aos pombos”, concordo totalmente com a decisão da Relação de Guimarães ao considerar esta prática ilícita.