Uma vez que se encontra em causa uma vasta pluralidade de regimes jurídicos, comecemos por visitar parcelarmente cada um para depois rematarmos com uma conclusão global sobre o relacionamento entre estes.
No que tange à reserva agrícola nacional (RAN), dir-se-á que esta é constituída pelo conjunto das áreas que – em virtude das características geo-morfológicas, climatéricas e sociais que possuem –, reúnem maiores potencialidades para a produção de bens agrícolas. Seguindo o regime definido no DL 196/89, com a última alteração pelo DL 278/95, a divisão dos territórios da RAN fazem-se de acordo com o território de cada direcção regional de agricultura (art. 3º).
O objectivo primário da instituição da RAN é, pois, o de resguardar os solos de maior aptidão agrícola de todas as intervenções que diminuam ou incapacitem as suas potencialidades agrícolas e, por conseguinte, que impeçam a sua afectação à actividade agrícola. Por isso mesmo, o art. 8º do diploma citado, é peremptório nas proibições que faz à utilização do solo. No mesmo sentido, o art. 9º foge à regra geral do CPA porque não só exige um parecer prévio favorável das comissões regionais da reserva agrícola, como todos os actos administrativos praticados sem esse parecer prévio, são fulminados pela invalidade mais grave, a nulidade (art. 34).
A RAN conexiona-se com as outras tipologias juridico-administrativas mencionadas no titulo, na medida em que também não se integram na RAN os solos destinados a expansões urbanas inclusos em PDM (plano director municipal), PU (plano de urbanização) e, em geral, as áreas de construção. Por isto mesmo, os solos integrados na RAN são obrigatoriamente identificados em todos os instrumentos que definam a ocupação física do território (art. 72 nº 2 al.) a e art. 73 nº 2 al.) a).
Já no que concerne ao regime jurídico da REN (reserva ecológica nacional), este constitui e disciplina a estrutura biofísica básica e diversificada que, através do condicionamento à utilização de áreas com características ecológicas específicas, garante a protecção de ecossistemas, a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades humanas (art. 1º do DL 93/90), através de um naipe de acções insusceptíveis de prejudicar o equilíbrio ecológico das mesmas.
Tal como foi referido em relação às áreas da RAN, também as áreas integradas na REN são especificamente demarcadas em todos os instrumentos de planeamento que definam ou determinem a ocupação física do solo, designadamente planos especiais e municipais de ordenamento do território (art. 10º do DL 93/90). Por isso, o regime jurídico da REN constitui uma disciplina dos solos que deve ser observada pelos planos e, simultaneamente, uma prescrição directamente vinculativa da actividade da administração e dos particulares com reflexos na ocupação, uso e transformação do solo, em todas as áreas não abrangidas por qualquer plano municipal de ordenamento do território. Aliás, o regime da REN (revisto em 2006 pelo DL 180/2006), teve também como preocupação, a coordenação deste regime com o do procedimento de elaboração e alteração dos planos especiais e municipais de ordenamento do território.
De facto, o art. 10 nº 3 é categórico na expressão que a “delimitação da REN pode ocorrer juntamente com a elaboração, alteração ou revisão de plano especial e municipal de ordenamento do território”.
Relativamente à rede nacional de áreas protegidas, cumpre referir que esta tem um regime jurídico definido no DL 19/93 de 23.01, devendo ser classificadas como tal – seguindo o espectro do nº 2 do art. 1º -, as áreas terrestres em que a fauna, a flora, a paisagem, os ecossistemas ou outras ocorrências naturais apresentem, pela sua raridade, valor ecológico ou paisagístico de importância científica, cultural e social e que a sua relevância especial exija medidas de conservação e gestão, em ordem a promover a gestão racional dos recursos naturais.
Nos artigos 5º a 10º do mesmo DL 19/93, estão consignadas cada uma das modalidades de áreas protegidas, a indicação dos objectivos e efeitos da respectiva classificação. Para nós, interessa agora olhar somente para o “parque natural”.
O parque natural define-se como uma área que se caracteriza por conter paisagens naturais, semi-naturais e humanizadas, de interesse nacional. Tal classificação tem por efeito - atendendo ao nº 2 do art. 7º DL 19/93 -, possibilitar a adopção de medidas que permitam a manutenção e valorização das características das paisagens naturais e semi-naturais e a diversidade ecológica. Dado o seu regime jurídico, é fácil de compreender que o parque natural faz parte integrante da disciplina jurídica da rede nacional de áreas protegidas (que por sua vez é uma das modalidades de planos especiais de ordenamento do território).
Relacionando em traços gerais o regime jurídico das áreas protegidas com os regimes da RAN e da REN, importa salientar que as proibições, restrições e condicionamentos ao uso, ocupação e transformação do solo não conferem, de iure, uma pretensão indemnizatória ao proprietário. Uma vez que falamos aqui de solos que, em consequência do seu regime jurídico particular (isto porque a classificação de uma área como protegida se faz através de decreto regulamentar que apenas indica o tipo e delimitação geográfica da área bem como os objectivos específicos e as actividades condicionadas ou proibidas), são caracterizados como “bens privados de interesse publico” (neste sentido, Cfr. Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 3ª Ed., Coimbra: Almedina, p. 263). Por se manter na propriedade do privado e devido ao facto de estas restrições e condicionantes à utilização dos bens serem, em geral, uma mera consequência da “vinculação situacional” da propriedade que incide sobre o solo nas áreas protegidas, isto é, um simples produto da especial situação factual destes e da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas características intrínsecas, dir-se-á que o proprietário dos solos ficará vinculado a um “azar das circunstâncias”.
Continuando o nosso excurso, agora sobre as ZPE´s (zonas de protecção especial), é de referir que estas estão compreendidas no regime jurídico da rede natura 2000 – DL 140/99 de 24.04, regime de âmbito europeu e cuja finalidade é a de protecção dos habitats naturais, a fauna e flora selvagem como forma de defender e manter a biodiversidade –, e tal como nos regimes atrás visitados, as zonas de protecção especial estão sujeitas a um conjunto de proibições, restrições, limitações e condicionamentos ao seu uso e ocupação, com vista à conservação dos habitats naturais das espécies nelas existentes.
Neste contexto, estão tipificados um vasto elenco de acções e de proibições de modos de utilização dos solos, sempre com o propósito especifico de evitar a modificação e/ou deterioração dos habitats naturais.
Por fim, a classificação das áreas é o meio através do qual, a par de outros elementos, se indica o tipo e a delimitação geográfica da área, os seus objectivos específicos, bem como os actos e as actividades condicionadas ou proibidas. Por exemplo, a classificação de áreas protegidas de interesse nacional, é feita por decreto regulamentar, precedido de inquérito público (com vista à recolha de observações e sugestões dos interessados sobre a classificação da área protegida), ao abrigo do art. 13º do DL 19/93.
Assim, a área classificada fica onerada com condicionamentos ao uso, ocupação e transformação do solo, bem como no que respeita às actividades susceptíveis de prejudicar o normal desenvolvimento da fauna, flora ou especiais características da área protegida (art. 13 nº 6).
Por tudo isto, o relacionamento destes diferentes regimes jurídicos visa, grosso modo, a prossecução de objectivos de desenvolvimento e sustentabilidade ambiental. Todos eles comportam uma finalidade comum: a conservação a longo prazo dos recursos naturais. Todavia, ainda que a relevância dada à protecção da biodiversidade seja um ponto de ordem, todos os regimes visitados têm presentes o escopo que tais exigências de protecção não podem também sacrificar as exigências de desenvolvimento económico das gerações presentes e futuras.
Em suma, estes regimes surgem como instrumentos de gestão integrada dos espaços naturais e alicerçam-se numa territorialização da política de conservação da natureza.