sexta-feira, 3 de abril de 2009

1º tarefa: Princípio da Prevenção vs. Princípio da Precaução

Princípio da Precaução e Princípio da Prevenção: unidade ou dualidade?

A Constituição contém vários princípios relevantes em matéria de Direito do Ambiente. De entre esses Princípios, ressalta o Princípio da Prevenção, constitucionalmente consagrado nos arts. 66/2 CRP e 3º a) da Lei de Bases do Ambiente. O princípio da Prevenção “tem como finalidade evitar lesões ao meio ambiente, o que implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências.” (VASCO PEREIRA DA SILVA, Como a Constituição é Verde, AAFDL, Lisboa, 2001, págs. 14 e ss.) Portanto, o Princípio da Prevenção traduz uma ideia de “mais vale prevenir do que remediar”, de evitar danos para o Ambiente, de antecipar lesões, por contraponto à ideia de reparação das lesões.
O professor VASCO PEREIRA DA SILVA na obra citada defende uma ideia de prevenção em sentido lato, ou seja, defende que o Princípio da Prevenção cobre não só a antecipação de perigos imediatos e concretos, mas também a antecipação de riscos indeterminados e abstractos que possam ocorrer no futuro, tal como cobre não só as situações susceptíveis de lesar o ambiente de causa humana, como de causa natural. Concordamos inteiramente com o professor e entendemos que a distinção entre os dois princípios é artificial, inútil do ponto de vista prático e gera confusões porque os critérios de distinção entre os dois princípios formulados pela doutrina são incertos.
Mas autores, como GOMES CANOTILHO (in Introdução ao Direito ao Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998, págs. 44 e ss.) e ANA GOUVEIA MARTINS (in O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2002, págs. 53 e ss.), defendem uma autonomização entre os dois princípios. Para o primeiro autor, o princípio da Precaução distingue-se do princípio da Prevenção por exigir uma protecção antecipada do ambiente ainda num momento anterior àquele em que o princípio da Prevenção impõe que se actue preventivamente, além de que o princípio da Prevenção visa que os perigos comprovados sejam eliminados, enquanto o princípio da Precaução visa que os riscos que poderão criar lesões ambientais (riscos que a Ciência ainda não comprovou terem um nexo causal com uma possível lesão) sejam eliminados. Também a segunda autora parte da distinção entre perigos e riscos, afirmando que o princípio da Prevenção se destina a evitar perigos e o da Precaução riscos sérios. De facto, esta posição doutrinária de entender o Princípio da Prevenção como um princípio restritivo e o Princípio da Precaução como um princípio mais amplo e autónomo vai ao encontro do artigo 174º/2 TCE.
Mas fará sentido esta dualidade? Já referimos no início do presente comentário que não, e socorremo-nos dos argumentos invocados pelo professor VASCO PEREIRA DA SILVA, um dos quais, o argumento material, é objecto da citação que agora comentamos. Assim, um primeiro argumento contra a dualidade de princípios é o designado argumento literal. Prevenir e precaver são sinónimos na língua portuguesa, embora não o sejam na língua inglesa, na qual as expressões “precaution” e “prevention” têm sentidos distintos. Se as expressões são sinónimos, dar diferentes conteúdos às mesmas expressões só poderá gerar equívocos e a linguagem do Direito deve ser uma linguagem clara e inequívoca. Um segundo argumento, objecto da citação que agora comentamos, é um argumento de natureza material: segundo o professor, os critérios de distinção entre prevenção e precaução não são unívocos, mas assentam em critérios muito diversificados. O professor entende que não se deve distinguir o âmbito da Prevenção em razão dos perigos decorrentes de causas naturais e a Precaução em razão dos riscos em razão dos riscos de origem humana, já que os danos ambientais advém quer de causas humanas quer de causas naturais simultaneamente. Por outro lado, o critério de distinção também não pode passar por circunscrever o âmbito da Prevenção aos perigos actuais e da Precaução aos riscos futuros, dado que uma decisão ambiental, como a de licenciamento ambiental, tem de antecipar riscos presentes e futuros. Os autores referidos entendem que o Princípio da Precaução tem alguns traços típicos de conteúdo, como o da inversão do ónus da prova ou o sub-princípio do “in dubio pro natura”. Mas estas considerações podem ser alvo de crítica: primeiro, a inversão do ónus da prova no sentido de que compete ao interessado no desenvolvimento de uma actividade económica provar que a sua actividade não apresenta riscos para o ambiente (não chegando ao exagero das concepções ecofundamentalistas que exigem que o interessado faça prova do “risco zero”, situação inconfigurável, dado que o risco é uma realidade sempre presente desde que se nasce) é um entrave desproporcionado ao desenvolvimento económico; e em segundo, o sub-princípio do “in dubio pro natura” não faz uma adequada e justa ponderação dos direitos ao ambiente e ao desenvolvimento da actividade económica, ambos direitos constitucionalmente consagrados. O professor invoca ainda um argumento de técnica jurídica, afirmando que “o ordenamento português eleva a prevenção a categoria de princípio constitucional, com todas as consequências jurídicas que isso implica relativamente à actuação dos poderes públicos. (…) Daí que a adopção de uma noção ampla de prevenção, constitucionalmente fundada, me pareça ser a via mais eficaz e adequada para assegurar (…) a melhor tutela (…) dos valores ambientais.” (VASCO PEREIRA DA SILVA, ob. cit., pág. 22).
Pelos motivos expostos, concordamos com a posição da Regência nesta matéria e entre unidade evidente e dualidade confusa, optamos pela unidade. É, assim, preferível um Princípio da Prevenção “lato sensu” em vez de uma autonomização incompreensível para o não jurista (e também para alguns juristas) do Princípio da Precaução.
Cláudia Isabel Ferraz Dias
Subturma5