sábado, 11 de abril de 2009

1ª tarefa- Prevenção e precaução

A escassez e a perenidade dos recursos naturais levam-nos a aplicar forçosamente a regra de que mais vale prevenir do que remediar. É bem mais eficiente, e até mesmo mais económico, prevenir danos ambientais do que repará-los. Até porque, como é que se repara a posteriori a extinção de uma espécie de fauna ou de flora, ou se assegura a saúde humana e do ambiente que rodeia um rio contaminado por uma substância tóxica? As ameaças ao meio ambiente são tangíveis e podem rapidamente tornar-se críticas e de uma gravidade extrema, o que torna vital esta capacidade de antecipação destas situações potencialmente perigosas, sejam elas de origem humana ou natural, de modo a prever, prevenir e combater na origem as causas de redução ou perda da diversidade biológica.

Não adianta indemnizar depois de os danos terem ocorrido: uma remediação após a ocorrência do dano é uma medida inócua. A abordagem preventiva, através da legislação adequada, é mais útil e permite a adopção de medidas mais eficazes para afastar a verificação de danos ou minorar as suas consequências.

É um dever para o próprio legislador que, se não o cumpre pode resultar até numa inconstitucionalidade por omissão, ou a existir, e o seu cumprimento for deficiente, resultar numa inconstitucionalidade por acção. Os próprios mecanismos de contencioso ambiental possuem um efeito dissuasor de eventuais comportamentos ilícitos. Ou seja, o que se pretende com o princípio da prevenção é evitar perigos imediatos e concretos, bem como eventuais riscos futuros, sempre numa lógica mediatista e prospectiva de antecipação de acontecimentos futuros.

A par do princípio da prevenção fala-se da autonomização do princípio da precaução. A enorme incerteza associada aos processos da natureza e aos elementos é complexa, o que pode levantar dificuldades na altura de gerir a questão ambiental relativamente à previsão e medida dos potenciais impactos decorrentes quer de políticas públicas ou de um dado projecto. A precaução orienta-se, assim, no sentido de que não existe prova definitiva de que uma ameaça se materializará; é hipotética, portanto. Não só o dano não ocorreu, como não há prova de que ocorrerá. Ou seja, enquanto a prevenção actua no campo da actual previsibilidade dos danos que poderão ocorrer a partir de determinado impacto, a precaução baseia-se na razoável imprevisibilidade dos danos que poderão ocorrer dada a incerteza científica dos processos ecológicos envolvidos.

Não são expressões sinónimas, nem tão pouco é aparente a distinção, e como tal, importa enquadrá-lo devidamente na ordem jurídica portuguesa, a fim de descortinar de facto um princípio distinto do princípio da prevenção ou se estamos, o fundo, a lidar com uma noção ampla de prevenção.

A dimensão preventiva da questão ambiental está presente na alínea a) do nº 2 do art. 66º da Constituição da República Portuguesa. Por outro lado, nas alíneas d) e e) do art. 9º, ao se cometer ao Estado a defesa da natureza e do ambiente e de preservação dos recursos naturais e a efectivação do direito ao ambiente, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais, encontramos um dever de promoção, introdução de novas tecnologias e métodos produtivos, e de sensibilização dos operadores económicos e dos cidadãos, para que possam beneficiar de uma correcta gestão dos recursos naturais. Esta é uma condição essencial para a implementação de uma abordagem assente no princípio da precaução. A própria Constituição aponta para a rejeição de uma política centrada somente na repressão e prevenção de danos ambientais actuais e conhecidos que descure o futuro ambiental, tal como o demonstra no art. 66º a), no art. 81º l) e m) e no art. 93ºd) ao referirem constantemente a racionalidade no aproveitamento e gestão de recursos naturais, que apela no fundo, à ideia de desenvolvimento sustentado que é um conceito indissociável do princípio da precaução e que encontra assento constitucional expresso no art. 66º, nº 2, alíneas d) e h). Até porque não se pode ter a como conforme a um desenvolvimento sustentado exigir a certeza ou a concretização de um perigo de dano ambiental para que se adoptem medidas de protecção do ambiente.

A omissão de uma referência constitucional expressa do princípio da precaução não implica, de modo algum, a sua exclusão do ordenamento jurídico vigente, nem tão pouco o afasta do âmbito de protecção das normas constitucionais. Os limites da capacidade preditiva da ciência são particularmente acentuados em matéria ambiental, em virtude da complexidade e interdependência dos sistemas ecológicos. Por outro lado, os bens ambientais caracterizam-se pela sua extrema sensibilidade e pela especificidade da respectiva lesão, em termos de possível irreversibilidade ou gravidade. Estes factores exigem que a protecção da ambiente constitucionalmente imposta postule a adopção de medidas para além daquelas contra danos conhecidos, mas igualmente contra danos potenciais.

A ausência desta referência expressa ao princípio da precaução não deve ser interpretada como manifestação de rejeição de abordagens baseadas neste princípio, como o comprova, aliás, a consagração ao longo da Lei de bases do Ambiente de diversos instrumentos e mecanismos que indiciam uma atitude de cautela, aversão e combate aos riscos e perigos. Ao tempo da elaboração da Lei de bases do Ambiente, o princípio da precaução não fora autonomizado do princípio da prevenção ao nível do direito internacional e do direito comunitário.

Deve reconhecer-se então um entendimento amplo do princípio da prevenção no nosso sistema jurídico distinguindo no seu seio uma dimensão preventiva strictu sensu e de uma dimensão de precaução? É certo que a letra da lei a tal não se opõe, uma vez que é possível defender que, de acordo com uma interpretação actualista da noção de prevenção consagrada na Lei de Bases do Ambiente, se deve entender que, quando a lei exija a consideração de forma antecipada da actuação com efeitos a prazo susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente reduzindo ou eliminando as suas causas, se está, no fundo, a remeter para a dimensão de precaução do princípio da prevenção.

Mas esta seria uma situação de compromisso e, como tal, faria muito mais sentido distinguir os dois princípios ao invés de assimilar a precaução a uma mera dimensão do princípio da prevenção. O princípio da precaução deve ser um princípio autónomo, até para pôr em relevo que a protecção do ambiente não se basta com a prevenção de danos conhecidos, havendo igualmente que implementar um sistema de gestão de riscos futuros, com correctos juízos de prognose, a fim de minorar os danos, sem contudo cair em considerações eco-fundamentalistas que por vezes tendem a associar-se ao princípio da precaução.