sexta-feira, 27 de março de 2009

A Sustentabilidade da Sustentabilidade (6ªtarefa)


“ O crescimento pelo crescimento é a teoria das células cancerígenas”
Edward Abbey.


Abbey não podia estar mais perto da verdade quando proferiu estas sábias palavras, pois afinal de que vale o crescimento e o desenvolvimento económico se o Homem dele não pode beneficiar, estando condenado a uma sobrevivência em condições cada vez mais precárias, recebendo facturas com juros elevadíssimos de tudo o que construiu e criou?Será um percurso necessário e inevitável? Estará o Homem irremediavelmente condenado a autovitimizar-se como mencionou Malthus, o célebre criador da funesta corrente da ciência triste?

O Desenvolvimento Sustentável,ou simplesmente Sustentabilidade como alguns o chamam, foi um conceito inicialmente utilizado pelos economistas e depois generalizado a outras ciências sociais e humanas , tais como o direito, e que vem-nos alertar para a necessidade de conciliar duas realidades muitas vezes antagónicas, o desenvolvimento económico, necessariamente oneroso para o meio ambiente, e a necessidade de preservação do ambiente.Este conceito surgiu na economia perante a imperatividade de aliar crescimento economico com qualidade ambiental, perspectivando – se , desta forma, o equilíbrio entre as duas correntes de pensamento económico que se digladiavam nos anos 70.Assim e de acordo com o ensinamento de Paul Samuelson e William Nordhaus, na obra “ Economia”, Mc Graw Hill editora, 16ª edição , 2001, Nova Yorque ,num extremo situava – se a sombria filosofia ambientalista dos limites e perigos, que teve como figura principal Edward O. Wilson , que proclamava que as actividades humanas acabariam por corromper de forma definitiva toda a rede de ecossistemas , avistando-se inesperadas consequências que ultrapassariam em larga escala todo o engenho humano, que impotente assistiria à degradação do meio ambiente onde vivia.Na posição oposta encontravam-se os Cornucopianos, que com uma consideravel dose de optimismo , acreditavam ingenuamente que o mundo estaria longe da exaustão quer dos recursos naturais , quer das possibilidades da tecnologia.Os defensores desta tese entendiam que o crescimento económico dar-se ia sem qualquer percalço, pois o Homem estaria apto para lidar com qualquer problema ambientalque surgisse .Os economistas , e como expressão de uma desejável e necessária moderação, criaram um conceito de eficiência na utilização destes dois bens, frisando a importância de uma acertada combinação das forças de mercado e da intervenção do governo como essencial quer para a sobrevivência , quer para a melhoria contínua dos níveis de vida , e assim surgiu o conceito bifurcado de Desenvolvimento Sustentável, o desenvolvimento económico que atende a toda a conjuntura ambiental.A urgência de criação deste conceito era visível pois vislumbra-se com facilidade como seriam incomportáveis as soluções extremistas da paralização da actividade económica ou do prosseguimento de um crescimento económico desenfreado , à custa do comprometimento definitivo da saúde humana e quiçá da sobrevivência do Homem.Assim, e como a economia é uma ciência exacta , este conceito foi automaticamente reduzido a um indicador de poluição socialmente eficiente , em que a eficiência exige que o benefício social marginal da despoluição seja igual ao custo social marginal da despoluição., demonstrando-se assim o porquê das posições ambientalistas extremas de “nenhum risco” ou de “emissão zero” serem
geralmente desperdiçadoras.
Embora retirado da economia , este mesmo conceito em Direito, assume uma outra feição - a de princípio jurídico que estabelece , “uma exigência de ponderação das consequências para o meio ambiente de qualquer decisão jurídica de natureza económica tomada pelos poderes públicos e a sua consequente invalidade no caso dos custos ambientais inerentes à sua efectivação serem incomparavelmente superiores aos respectivos benefícios económicos “, Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, Lições de direito do Ambiente, Almedina 2002,Lisboa. Como princípio constitucional , vigora de uma forma expressa em portugal através dos artigo 66 número 2 e 81 alínea a da Constituição da República Portuguesa, embora alguma doutrina entenda que se encontra igualmente presente noutros artigos,mas de forma implícita,tais como 66 nº2 alínea d, 90º , 93º nº 1 e 104º número 4º (Elza Malahem “ O Princípio do Desencolvimento Sustentável no Direito Brasileiro e Português”, Relatório de mestrado, Lisboa,2004).Embora o Direito do ambiente se espraie em diversos artigos como defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros na obra “Constituição da República Portuguesa Anotada,Tomo 1 ,Introdução geral, Preâmbulo,Coimbra Editora, Lisboa, 2005, eu entendo que esta posição de Elza Malahem é um pouco forçada, pelo menos no tocante ao princípio do Desenvolvimento Sustentável, o que não invalida, como é natural, que estes artigos sejam expressão do lato Direito ao Ambiente.Como princípio constitucional que é, constitui uma feição positiva , servindo de fundamento e critério às descisões da administração, e uma feição negativa , funcionando como limite e travão às actuações da própria administração.Enquanto princípio e segundo a lição de José Joaquim Gomes Canotilho presente , na obra “Introdução ao Estudo do Ambiente”, Universidade Aberta editora, Coimbra, 1998,a sua utilidade reside essencialmente em ser um padrão que possibilita a aferição da validade das leis, sancionando com inconstitucionalidade ou ilegalidade os regulamentos ou actos administrativos que o contrariem.Para além disso ,desempenha uma função de auxiliar de interpretação de outras normas jurídicas, servindo também como critério de integração de lacunas.O princípio do desenvolvimento sustentável , enquanto decorrência do lato direito ao ambiente, surgiu pela primeira vez na ordem jurídica internacional na declaração de estocolmo de de 1972 , sendo fruto de uma época em que a industrialização no ocidente começava a mostrar os seus primeiros resultados nefastos, nascendo um pouco por todo lado a preocupação com a preservação do meio ambiente, passando este a ser,ineditamente, uma prioridade das políticas dos estados.O Desenvolvimento Sustentável está expressamente presente em diversos diplomas de cariz internacional, nomeadamente na Declaração do Rio, nos princípios 3,5,e 7,de acordo com o mencionado por Luis Ortega Álvarez, na sua obra “Lecciones del derecho del Medio Ambiente”, 2ª edição,Lex Nova editora, no 5º Programa Comunitário de Acção em Matéria de de Ambiente de Maio de 1993,no Diploma da Comissão das Nações Unidas, na Carta da Natureza de 1982 , no 1º parágrafo do 2º artigo do Tratado da União Europeia e de forma implícita, na minha opinião , no artigo 174º nº3 4ª alínea do Tratado de Roma .
Embora funcionando como uma ponderação proporcional entre dois valores, este princípio autonomiza-se do principio da proporcionalidade, vinculando de forma autónoma as actuações da administração, sendo de acordo com a opinião do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva , ob cit , o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes de necessidade, adequação e equilibrio custos-benefícios , insuficiente para abarcar as especificidades dos princípios ambientais.Caso se entendesse que este princípio do desenvolvimento sustentável pudesse ser reconduzido ao princípio da proporcionalidade, resultaria daí um inadmissível alargamento e dissipação do fundamento do mesmo .Para além disso e de acordo com a opinião deste professor, e um pouco na lógica do mencionado pelo Professor Gomes Canotilho, ob cit, faltaria nesta recondução uma “conotação verde”, uma concepção dirigida especial e directamente a questões ambientais.
A meu ver , e em jeito de comentário à frase da Professora Carla Amado Gomes, que originou esta tarefa, o Princípio do Desenvolvimento Sustentável é um verdadeiro e autónomo princípio constitucional, decorrente do Direito do Ambiente.Baseando – me nas opiniões do Professor Vasco Pereira da Silva e do Professor Jorge Miranda e do Doutor Rui Medeiros, expressa na obra mencionada, considero este princípio directamente vinculativo para a administração, assumindo uma posição de destaque nesta “verde “ constituição, filha de uma década rica em gerais preocupações ambientais.Analisando os argumentos da Professora Carla Amado Gomes na frase em destaque, eu entendo que os mesmos não podem proceder.Quanto ao argumento da deriva formulativa como factor que retira o carácter principiológico, algumas precisões têm que ser feitas;em primeiro lugar é marca característica dos princípios em geral o seu carácter vago e amplo quando em comparação com as normas bastante mais determinadas(Gomes Canotilho,ob cit.), mas não é por isso que não são uma força motriz na ordem jurídica, condicionando e determinando o poder legislativo, executivo e jurisdicional.Por exemplo, e pegando no Direito à Vida, como elementar e basilar princípio da ordem jurídica Portuguesa, verificamos que os seus contornos, na doutrina e na jurisprudência estão longe de ser consensuais, havendo manifestas contradições de opinião quanto ao início e termo da própria vida, não sendo por isso que este princípio sofre erosões.Para além disso, e embora entendendo que a afirmação da Professora Carla Amado Gomes tem algum fundo de verdade quanto ao controverso e nebuloso princípio da precaução, a mesma opinião não posso assumir quanto ao princípio do desenvolvimento sustentável, que se manifesta de uma forma praticamente consensual na doutrina e nos diversos diplomas acima mencionados,já para não falar entre os economistas, não havendo grandes divergências quanto aos seus termos e objectivos, configurando-se , essencialmente ,como uma noção de equilíbrio entre o desenvolvimento económico e as necessidades imperativas de protecção ambiental.
Quanto ao argumento da casuística aplicação do princípio,e da utilização oportunista do mesmo , vislumbramos com facilidade que ao longo dos anos,a História e a ciência política têm-nos demonstrado que os princípios fundamentais têm sofrido aplicações deficientes por parte do poder político, que nem sempre os interpreta e concretiza da melhor forma,utilizando - os ao sabor das suas próprias prioridades, no entanto os princípios valem por si, independentemente da aplicação que deles é feita pela administração, não se podendo de forma alguma esgrimir argumentos no sentido da erosão do princípio com base em situações patológicas e de aplicação deficiente do mesmo por parte do poder político, sendo esta uma perspectiva indmissível , que em última análise deixaria nas mãos do poder político, através da sua actuação e interesses ,a triagem do que funcionaria ou não como princípio reitor.
Em suma, e como resposta geral aos vários argumentos deduzidos na frase, entendo que esta posição da Professor Carla Amado Gomes , esquece o contexto em que a Constituição da República Portuguesa foi criada e todo o movimento pró ambiente que se fazia sentir no Ocidente, devendo interpretar-se sempre este diploma de uma forma “verde”, daí que a “Constituição do Ambiente” tenha assim adquirido a dimensão de elemento caracterizador essencial da ordem jurídica portuguesa.

“ A Tarefa de protecção do ambiente na Terra deverá tornar-se e tornar-se á o princípio organizador central do mundo pós guerra fria.”
Albert J. Gore, vice presidente dos EUA, 1993.



Augusto Neves da Silva Dias,Número 15529,Subturma 6