sexta-feira, 27 de março de 2009

A Prevenção já Não é o Que Era...

Texto no âmbito da Primeira Tarefa

Na hora de ter de comentar todas estas palavras, a realidade toca à campainha e abre os olhos para a evolução, tanto a nivel legislativo, como dogmático.

Num dos escritos-chave para concluir, com o maior sucesso possível, a cadeira de Direito do Ambiente, o seu autor, com uma argumentação que quase ganha por K.O vai demonstrar que basta, para os intentos e fins ambientalistas que a Constituição (doravante CRP) e da Lei de Bases do Ambiente (doravante LBA) postulam, entender a prevenção, enquanto princípio, de uma forma ampla para não se resvalar para o excessivo eco-fundamentalismo.

Cumpre apreciar. O que compete, para já, é distinguir (se tal for possível) os princípios da prevenção e da precaução. Depois, de um angulo mais positivista, apreender o conteúdo da lei, tomada latu sensu, acerca de ambos os princípios. No final, alguma posição tem que ser tomada e fundamentada.

O ordenamento jurídico nacional é "generoso" no tratamento e destaque que confere à prevenção. Uma leitura dos preceitos centrais, até mesmo levada a cabo por um leigo não-jurista, da LBA e da CRP permite assimilar uma mensagem, relativamente clara. Tomando, como ponto de partida, a CRP, a disposição na "berlinda" é o artº 66/2 a). É um comando claro, já bem discutido na doutrina ambientalista e constitucionalista, que assenta na ideia popular do "mais vale prevenir do que remediar" No fundo, levando em consideração a vertente económica, percebe-se que nesta, como em tantas outras areas, sairá mais barato prevenir qualquer dano do que repará-lo subsequentemente. Na mesma senda está o artº 3 a) da LBA, que aprofunda e esclarece um pouco mais.

Já quanto à precaução, uma primeira abordagem que se faz aqui tem de ser doutrinária, sem prejuizo de se adiantar a existência de consagração em textos internacionais e internos. A profª. Carla Amado Gomes, de forma inteligente, diga-se, levanta o véu que vai distinguir e justificar a separação dos dois princípios que se têm, até agora, como siameses. Se o provérbio supra citado pode definir prevenção, com a precaução, além de se precisar de mais trabalho, mais pesquisa, mais densidade doutrinária, a tutela ambiental é, necessariamente, mais efectiva, na medida em que se abrem portas para uma maior ingerência consentida á administração. Para perceber a precaução, enquanto princípio autónomo e com uma força e relevo crescente, pressupõe uma situação em que haja uma imprevisibilidade do dano ambiental gerado por qualquer pessoa ou actividade. Pressupõe-se risco, pressupõe-se ameaça, ainda que não de forma totalmente efectiva. Numa palavra, teria que ser vedada qualquer acção, empreendimento, que fosse susceptível de lesar o ambiente. Não é prevenir, é tomar providências. É saber onerar alguém com a prova de que a sua actividade não vai lesar um bem comum, o próprio meio ambiente. Ora, este princípio é, isto na esteira de Nicolas Sadeller, um terceiro passo na evolução das políticas públicas da protecção do ambiente, depois da remediação e da prevenção. De algo que tem início na Alemanha, com o Vorsorgegrundsatz , e desenvolvimento no art 15 da Declaração do Rio, começa a perceber-se o que é que está, verdadeiramente, em causa, com a mensagem do professor: esta cisão e consequente autonomização de princípios é uma real evolução no direito do ambiente? Será que há cisão, sequer? Porque é que se criam tantas resistências?

Torna-se por demais evidente que estamos a assistir a um fenómeno de evolução. Isto diz-se porque há uma clara intenção das instituições internacionais de ir mais além, ser mais efectivo na tutela ambiental. O Direito do Ambiente permite-o, deseja-o. Pense-se, por exemplo, num Direito Penal em que que a realidade permitia uma precaução nestas dimensões. Quem a rejeitaria? Repare-se a alerte-se para o seguinte: não se quer travar a iniciativa económica, nem ingerir de forma absurda e desproporcionada na esfera dos particulares. A realidade é que, num mundo cada vez mais industrializado, até mesmo "químico", não podemos de adicionar o termo "sobreviência" às equações quotidinas. Com a positivação da precaução, também no nosso direito interno, aprofunda-se a tutela subjectiva de direitos, aprofunda-se a tutela da propria vida, mas também de outros bens juridico-públicos. Contra os excessos e protecção dos mesmos, a mesma lei fundamental que consagra o ambiente como direito fundamental também proíbe o excesso. Para cada lesão, há tribunais dotados de capital humano capaz de corrigir qualquer atropelo.

Claro, agora voltando a centrar o foco nas palavras que originam e baseiam este texto, o prof.Vasco Pereira da Silva, na obra que contém todas as razões para rejeitar a autonomia da precaução, salienta motivos de natureza linguista, de conteúdo material e de técnica legislativa. Quanto aos motivos de natureza linguista, a sugestão de "ir além das palavras" parece ser vedada pelo próprio legislador, que se terá exprimido nos melhores termos, presume-se. Quanto ao conteúdo material, ainda que não sejam unívocos os critérios de distinção entre ambos os princípios em jogo, é precisamente à doutrina a tarefa de os tornar límpidos e fixar diferenças. Isto assim é porque há textos legais que os postulam, porque as instâncias internacionais os referem, porque são meios diferentes de defesa do ambiente. Também não é inteiramente verdade que os resultados sejam uma incógnita. Na pureza das palavras, a falta de resultados equivalente a uma falta de noticias sobre problemas ambientais é, em si mesmo, um resultado. Precaução é garantia de futuro. Já no tocante a motivos de técnica legislativa, não é decisivo o facto de a prevenção ter dignidade constitucional. O Direito Público mostra, cada vez mais, princípios que se autonomizaram, que se desenvolveram.

A cisão e a autonomização existem. A fluidez dos conceitos não tardará em materializar-se em algo mais seguro, num futuro não muito longíquo. Ainda que possa (que seja!) ser complicado aceitar tudo isto, se o ar se torna irrespirável, se a àgua escasseia, se a vida estiver posta em cheque, o lamento irá para o facto de não se ter tomado a precaução como princípio sacro-santo.