sexta-feira, 27 de março de 2009

A constituição verde: um tributo ao Homem ou à Natureza?

Não há, hoje, dúvidas de que a protecção ambiental é um desígnio do Direito Português: não só a CRP o consagra em termos eloquentes como a recepção de várias normas de Direito Internacional Público o confirmam. A preservação ambiental, quer como direito subjectivo (art. 66º CRP) quer como tutela objectiva (art. 9º als. d) e e) CRP), surge como um valor fundamental e transversal da nossa ordem jurídica.
Rejeitada a “inconsciência” ecológica parece-nos legítimo questionar-se a teleologia da protecção ambiental: é ela antropocêntrica ou desinteressadamente ecocêntrica? Será admissível uma solução eclética? Quais as consequências da adopção de uma destas posições?
O nosso ponto de partida é a CRP: esta contém os elementos normativos mais relevantes na matéria.
Depressa nos deparamos com a androginia do Direito ao Ambiente: ele é simultaneamente um direito subjectivo fundamental (art. 66.º n.º 1 CRP) e uma tarefa fundamental do Estado (art. 9º als. d) e e) CRP).
Como direito fundamental análogo aos direitos liberdade e garantias (cfr. 17º CRP) – pelo menos na dimensão de defesa contra agressões ilegais – o direito ao ambiente goza do respectivo regime (art. 18º CRP). É, portanto, no que a esta dimensão negativa se refere, directamente aplicável e vinculativo das entidades públicas e privadas.
Enquanto direito subjectivo compreende, ainda, uma faculdade de aproveitamento de um bem. Assim, a protecção do ambiente pelos direitos fundamentais aponta para uma visão ecológica marcadamente antropocêntrica, funcionalizando a adopção de comportamentos verdes ao livre desenvolvimento do ser humano. Aliás, outra não poderia ser a concepção de um Estado baseado dignidade da pessoa humana e empenhado na “(...) construção de uma sociedade livre, justa e solidária.” (art. 1º CRP) e que a todos assegura um direito ao desenvolvimento pessoal (art. 26º n.º1 CRP).
Mas, relembremos, a ecologia constitucional é igualmente realizada de uma forma objectiva, através do reconhecimentos de bens jurídicos ambientais. Estes impõem, a sujeitos públicos e privados, deveres objectivos (positivos e negativos) de protecção. Consciente do que representam os valores ambientais de per si a CRP empenhou-se, também, na protecção ecocêntrica do ambiente.
Parece-nos, assim, que correcta protecção dos recursos naturais resultará de um equilíbrio entre as duas supracitadas concepções, i.e. uma conjugação eclética de ambas. A salvaguarda da natureza faz-se pela atribuição de direitos fundamentais aos cidadãos, tornando-se autores em causa própria nessa acção, e pela consagração da ecologia como valor fundamental, reconhecendo-lhe eficácia interpretativa na hermenêutica de todas as fontes do ordenamento jurídico português.
É esta a visão adoptada pela nossa constituição: ao consagrar ambas as teleologias e as suas típicas formas de tutela mais não impõe que uma visão integrada das duas.
Uma visão exclusivamente antropocêntrica cairia no excesso de funcionalizar totalmente a natureza aos fins humanos, não lhe reconhecendo um valor autónomo. Por outro lado, um ecocentrismo correria o perigo de, numa inversão de papéis, transformar o Homem num instrumento de protecção ambiental, pondo em causa a sua iminente dignidade.
O harmonia entre as duas visões é possível, é a mais eficiente e corresponde ao critério adoptado pela nossa constituição. Corresponde, também, a um estado de Direito ambiental.