sexta-feira, 27 de março de 2009

RAZÕES PARA A NÃO AUTONOMIZAÇÃO DE UM PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO EM DIREITO DO AMBIENTE

«Em minha opinião, preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente».

Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, Almedina, 2005, p. 67.

O princípio da prevenção é um dos princípios que a nossa Constituição consagra em matéria de Direito do Ambiente [art. 66.º/2/a)] e que resulta da tomada de consciência da perenidade e crescente escassez dos recursos naturais.

Nestes termos, o princípio da prevenção tem como finalidade impor ao Estado a adopção de medidas destinadas a evitar ou a minorar os danos, de origem natural ou humana, para o ambiente. Essa finalidade engloba um sentido restrito, na medida em que se visa evitar perigos imediatos e concretos, com base numa lógica imediatista e actualista, e um sentido amplo, já que se procura afastar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não determináveis por completo, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de situações susceptíveis de lesar o ambiente.

Certos autores têm vindo recentemente a defender a redução do princípio da prevenção ao seu sentido mais restrito e a proceder à autonomização de um princípio da precaução, de conteúdo mais amplo. Tendência que, aliás, tem sido seguida no âmbito do Direito Comunitário (art. 174.ª/2 do Tratado das Comunidades Europeias).

O Professor Vasco Pereira da Silva não concorda com essa doutrina, entendendo por seu turno que a construção de uma noção ampla do princípio da prevenção é preferível à consagração de um princípio da precaução como um princípio autónomo e distinto daquele. E as razões enunciadas pelo Professor para rejeitar tal doutrina são essencialmente três.

Primeiro, uma razão de natureza linguística, já que “prevenir” e “precaver” são expressões sinónimas na língua portuguesa e também noutras línguas latinas, pelo que não há que introduzir uma diferenciação aparente que não apresenta qualquer correspondência na linguagem comum. Há antes que evitar equívocos de linguagem e definições tautológicas.

Segundo, uma razão de conteúdo material. Por um lado, porque os critérios de distinção entre prevenção e precaução são muito diversificados, não permitindo delimitar inequivocamente o âmbito do princípio da precaução. Por outro lado, porque os resultados a que conduz a autonomização deste último princípio também não são unívocos.

Quanto ao primeiro aspecto, o Professor tem por inadequados os seguintes critérios:

1. O critério que separa prevenção de precaução em razão de “perigos”, decorrentes de causas naturais e de “riscos”, decorrentes de causas humanas, respectivamente. Este critério não é de aceitar na medida em que, nas actuais sociedades, os danos ambientais resultam de um concurso de causas em que é impossível distinguir os factos de origem natural dos factos de origem humana;

2. O critério que distingue prevenção de precaução em razão do carácter actual ou futuro dos riscos, respectivamente. Também é um critério a rejeitar, dado que, no quadro dos danos ambientais, ambos os tipos de riscos estão interligados, sendo necessário realizar juízos de prognose que permitam considerá-los em conjunto;

3. O critério que reconduz a ideia de precaução a um princípio de “in dubio pro natura”. Mas isto apenas será inadequado se este último princípio constituir uma verdadeira presunção, que obrigue quem pretende iniciar qualquer actividade a fazer prova de que não existe nenhum perigo de dano ambiental. Esta situação representaria uma carga excessiva, inibidora de novas realidades, pois que não existem actividades que aportem o “risco zero” para o ambiente.

Se o princípio de “in dubio pro natura” for antes um princípio de consideração da dimensão ambiental dos fenómenos, o Professor já o tem por justificado e não vê motivo para não o integrar no princípio da prevenção.

No que ao segundo aspecto respeita, a autonomização do princípio da precaução conduziria aos seguintes resultados desrazoáveis.

Em primeiro lugar, a necessidade de adoptar as devidas cautelas em relação a qualquer actividade humana, mesmo na ausência de provas científicas irrefutáveis quanto à existência de um nexo de causalidade entre tal acção e os efeitos danosos em matéria ambiental. Para o Professor, não faz sentido abandonar a lógica causal em matéria ambiental, fazendo antes todo o sentido considerar que, no domínio da responsabilidade ambiental, dada a dificuldade em determinar rigorosamente as relações de causa-efeito entre acto ilícito e dano, o Direito do Ambiente estabeleça uma presunção de causalidade ou introduza alguma flexibilidade nos critérios de determinação do nexo causal.

E em segundo lugar, a afirmação de um ónus da prova de que não vai haver qualquer lesão para o ambiente, a cargo de quem pretenda desenvolver uma actividade potencialmente danosa. Isto é manifestamente excessivo, não só porque o “risco zero” em matéria ambiental não é possível, como também pelo facto de tal exigência constituir um factor inibidor de qualquer fenómeno de mudança

Por último, uma razão de técnica jurídica. O Direito português consagra a prevenção como princípio constitucional, com todas as consequências jurídicas que daí resultam para a actuação dos poderes públicos, pelo que, uma noção ampla de prevenção, constitucionalmente fundada, é mais vantajosa para tutelar os valores ambientais.

Tendo em conta as razões acima enunciadas, deve então atribuir-se ao princípio da prevenção um conteúdo amplo por forma a que ele possa abarcar tanto perigos naturais como riscos humanos, tanto a antecipação de lesões ambientais actuais como futuras, sempre de acordo com critérios de razoabilidade.