(Comentário à frase da Prof. Martha Nussbaum - 2.ª Tarefa)
“Animal – designação comum aos organismos do reino Animalia, heterotróficos, multicelulares e com capacidade de locomoção; animal irracional” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
Os animais surgiram no planeta Terra primeiro que os humanos e, ao longo da evolução (quer humana quer animal) sempre acompanharam o Homem. Estiveram presentes em todos os estádios da evolução e também eles se foram adaptando às novas condições que foram surgindo.
Inicialmente, o homem servia-se do animal para sobreviver, caçando-o e alimentando-se dele. À medida que o tempo foi passando, o homem foi-se apercebendo que os animais podiam desempenhar outras funções: transportavam coisas, puxavam carroças e arados, divertiam as pessoas, faziam companhia, e, mais tarde, foram (e são) utilizados para fins científicos e, principalmente, contribuem para a preservação dos ecossistemas cujo desequilíbrio tem consequências nefastas para o próprio Homem.
Rapidamente se percebeu que os animais não eram coisas no sentido literal da palavra: moviam-se por si próprios, respiravam, alimentavam-se, sentiam dor e mostravam quando estavam alegres ou tristes.
Alertados para as atrocidades cometidas contra os animais, quer domésticos quer selvagens, e para o facto de algumas espécies estarem em vias de extinção e outras já extintas, os legisladores dos vários países já elaboraram vários diplomas tentando remediar a situação.
A nível internacional e comunitário existem diplomas de protecção dos animais (verbi gratia Declaração Universal dos Direitos do Animal de 1976, Declaração sobre a Ética Alimentar de 1981, Carta Mundial dos Estudantes para um Ciência e uma Biologia sem Violência de 1981, Convenção Europeia sobre a Protecção dos Animais nos Locais de Criação de 1976, Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia de 1987). A nível nacional já foram elaborados diversos diplomas que estabelecem regras relativas ao transporte, ao abate e à occisão, à utilização dos animais para fins experimentais e científicos, às explorações pecuárias e à detenção de animais potencialmente perigosos. A Lei de Protecção aos Animais (Lei 92/95, de 12 Setembro) procurou, em três capítulos, regular a nível geral a problemática do tratamento dos animais, estabelecendo as medidas complementares de aplicação da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia. Existem também outros diplomas que protegem algumas espécies em especial.
Perante o sistema jurídico português os animais são considerados coisas móveis. Mas será que devem ser tratados como tal, sem qualquer tutela específica, sem qualquer protecção adicional? Parece que a resposta a esta questão deve ser negativa. É imperativo que, tal como já se tem vindo a fazer, se dispense aos animais uma tutela mais eficaz, já que estes não se tratam de meros objectos inanimados e sem vida.
Não sendo coisas, isto é, não sendo satisfatória a qualificação do animal como “coisa”, é necessário encontrar uma outra classificação mais adequada uma vez que a equiparação às pessoas carece totalmente de sentido e chega mesmo a roçar o ridículo.
Existem duas concepções na doutrina portuguesa: a que considera que os animais, não sendo coisas, devem ser objecto de uma tutela diferente que tenha em conta a sua condição e, a tutela oposta que considera que os animais são coisas.
MENEZES CORDEIRO, no seu Tratado de Direito Civil Português, tomo II, considera que “a ideia de coisa como algo totalmente submetido à vontade humana deve ser abandonada. (…) Embora objecto de direitos os animais têm uma protecção que faz deles, “coisas” cada vez mais diferenciadas. Parece de resto claro que a ideia de coisa está moldada sobre a de objecto inanimado sendo, por isso, distorciva quando aplicável aos animais. (…) A tutela dos animais integra, pois, plenamente, a cláusula dos bons costumes (…).” Para este Prof., os animais devem, assim, beneficiar de uma tutela específica que tenha em conta a sua natureza especial, diferente das coisas e que lhes conceda uma protecção e segurança efectivas.
Tal como Menezes Cordeiro, ANTÓNIO PEREIRA COSTA [Dos Animais (O Direito e os Direitos)] considera que os animais “não são sujeitos de direito, titulares de relações jurídicas. (…) É certo que existem normas jurídicas dirigidas no interesse dos animais (…). Todavia, isso não significa que se estabeleçam regras entre homens e animais, que estes tenham direitos subjectivos a serem bem tratados e protegidos. (…) Trata-se de normas jurídicas «ordenadas para fins sociais», no dizer de JOSÉ TAVARES. As vantagens que os animais retiram das disposições legais que lhes são favoráveis constituem efeitos secundários e reflexos da tutela jurídica que lhes é indirectamente dispensada.”
Mais à frente, este autor (distanciando-se assim de Menezes Cordeiro e de outros autores) afirma “A parte restante da resposta à pergunta formulada sobre o estatuto jurídico dos animais consiste em declará-los «coisas» em sentido jurídico. (…) Sendo certo que alguns animais constituem «res nullius» e que outros não podem ser apropriados pelos particulares, todos devem ser incluídos no conceito de coisa, visto ser bastante o poder jurídico em potência (MANUEL DE ANDRADE). São os animais coisas móveis, porque não estão incluídos na enumeração dos imóveis a que o CC alude (arts. 204.º e 205.º)”.
Já FERNANDO ARAÚJO (A Hora dos Direitos dos Animais) parece colocar-se ao lado daqueles que defendem que os animais não são simples coisas ao afirmar que “(…) quando a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 1978, remata com uma exigência de salvaguarda dos direitos dos animais num plano similar ao da defesa dos direitos do homem (art. 14.º 2), tal, insistamos, não deve entender-se como uma tradução de um propósito de confusão de planos, mas antes como expressão do mais modesto objectivo de busca de lugares paralelos, de concretização detalhada de consagrações já alcançadas noutras áreas do Direito”. Este autor defende, assim, um especismo «moderado».
Este autor, não entrando no extremo de “atribuir” direitos a todos os animais – no limite as moscas e os ácaros também teriam direitos – considera que “parece, em síntese, não haver nada de particularmente refractário à admissão de um reconhecimento discriminado de direitos dos animais, mais intenso em função da densidade de interesses que possa ser associada à inteligência e à emotividade reveladas na conduta dos membros de cada espécie não-humana.” Acrescenta ainda, este autor em jeito de conclusão que “(…) quando não seja possível oferecer aos animais um quadro jurídico de salvaguarda personalizada e plena, restará conceber que a forma como lhes seja imposto sofrimento pode ofender uma ética de compaixão «não-especista» que os seres humanos – alguns ou todos – cultivam, uma ética com deveres agravados pela incapacidade de essas vítimas de sofrimento poderem discernir uma intencionalidade causal e poderem interagir com ela, seja prevenindo-a, seja reagindo a ela. Uma tal «ética de respeito» contribuiria para a diminuição efectiva do sofrimento de seres vivos. Fá-lo-ia de forma de certo menos culturalmente respeitável e sólida do que a que se obteria com a consagração de direitos subjectivos dos animais – mesmo assim faute de mieux, uma forma eticamente impecável e pragmaticamente relevante”. Este autor parece mesmo defender, pelas linhas acima transcritas, que deviam existir direitos subjectivos dos animais.
Para terminar, resta concluir que tal como preconiza MARTHA NUSSBAUM os animais devem ter uma existência condigna em que possam usufruir do meio ambiente onde habitam com tranquilidade. Não é correcto que o homem o “utilize” a seu bel-prazer sem qualquer preocupação pela sua vida. É necessário proteger os animais das agressões externas, (propositadas ou não) do ser humano e punir quem incumpra as regras já definidas em legislação ordinária.
Não caindo no extremo de atribuir direitos subjectivos aos animais, é imperativo que estes mereçam uma tutela adequada à sua condição de “animais” acautelando as suas características.
Bastante já foi feito, muito há ainda a fazer!
Inês Maia Arêde
N.º 15135 Subturma 5
“Animal – designação comum aos organismos do reino Animalia, heterotróficos, multicelulares e com capacidade de locomoção; animal irracional” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
Os animais surgiram no planeta Terra primeiro que os humanos e, ao longo da evolução (quer humana quer animal) sempre acompanharam o Homem. Estiveram presentes em todos os estádios da evolução e também eles se foram adaptando às novas condições que foram surgindo.
Inicialmente, o homem servia-se do animal para sobreviver, caçando-o e alimentando-se dele. À medida que o tempo foi passando, o homem foi-se apercebendo que os animais podiam desempenhar outras funções: transportavam coisas, puxavam carroças e arados, divertiam as pessoas, faziam companhia, e, mais tarde, foram (e são) utilizados para fins científicos e, principalmente, contribuem para a preservação dos ecossistemas cujo desequilíbrio tem consequências nefastas para o próprio Homem.
Rapidamente se percebeu que os animais não eram coisas no sentido literal da palavra: moviam-se por si próprios, respiravam, alimentavam-se, sentiam dor e mostravam quando estavam alegres ou tristes.
Alertados para as atrocidades cometidas contra os animais, quer domésticos quer selvagens, e para o facto de algumas espécies estarem em vias de extinção e outras já extintas, os legisladores dos vários países já elaboraram vários diplomas tentando remediar a situação.
A nível internacional e comunitário existem diplomas de protecção dos animais (verbi gratia Declaração Universal dos Direitos do Animal de 1976, Declaração sobre a Ética Alimentar de 1981, Carta Mundial dos Estudantes para um Ciência e uma Biologia sem Violência de 1981, Convenção Europeia sobre a Protecção dos Animais nos Locais de Criação de 1976, Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia de 1987). A nível nacional já foram elaborados diversos diplomas que estabelecem regras relativas ao transporte, ao abate e à occisão, à utilização dos animais para fins experimentais e científicos, às explorações pecuárias e à detenção de animais potencialmente perigosos. A Lei de Protecção aos Animais (Lei 92/95, de 12 Setembro) procurou, em três capítulos, regular a nível geral a problemática do tratamento dos animais, estabelecendo as medidas complementares de aplicação da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia. Existem também outros diplomas que protegem algumas espécies em especial.
Perante o sistema jurídico português os animais são considerados coisas móveis. Mas será que devem ser tratados como tal, sem qualquer tutela específica, sem qualquer protecção adicional? Parece que a resposta a esta questão deve ser negativa. É imperativo que, tal como já se tem vindo a fazer, se dispense aos animais uma tutela mais eficaz, já que estes não se tratam de meros objectos inanimados e sem vida.
Não sendo coisas, isto é, não sendo satisfatória a qualificação do animal como “coisa”, é necessário encontrar uma outra classificação mais adequada uma vez que a equiparação às pessoas carece totalmente de sentido e chega mesmo a roçar o ridículo.
Existem duas concepções na doutrina portuguesa: a que considera que os animais, não sendo coisas, devem ser objecto de uma tutela diferente que tenha em conta a sua condição e, a tutela oposta que considera que os animais são coisas.
MENEZES CORDEIRO, no seu Tratado de Direito Civil Português, tomo II, considera que “a ideia de coisa como algo totalmente submetido à vontade humana deve ser abandonada. (…) Embora objecto de direitos os animais têm uma protecção que faz deles, “coisas” cada vez mais diferenciadas. Parece de resto claro que a ideia de coisa está moldada sobre a de objecto inanimado sendo, por isso, distorciva quando aplicável aos animais. (…) A tutela dos animais integra, pois, plenamente, a cláusula dos bons costumes (…).” Para este Prof., os animais devem, assim, beneficiar de uma tutela específica que tenha em conta a sua natureza especial, diferente das coisas e que lhes conceda uma protecção e segurança efectivas.
Tal como Menezes Cordeiro, ANTÓNIO PEREIRA COSTA [Dos Animais (O Direito e os Direitos)] considera que os animais “não são sujeitos de direito, titulares de relações jurídicas. (…) É certo que existem normas jurídicas dirigidas no interesse dos animais (…). Todavia, isso não significa que se estabeleçam regras entre homens e animais, que estes tenham direitos subjectivos a serem bem tratados e protegidos. (…) Trata-se de normas jurídicas «ordenadas para fins sociais», no dizer de JOSÉ TAVARES. As vantagens que os animais retiram das disposições legais que lhes são favoráveis constituem efeitos secundários e reflexos da tutela jurídica que lhes é indirectamente dispensada.”
Mais à frente, este autor (distanciando-se assim de Menezes Cordeiro e de outros autores) afirma “A parte restante da resposta à pergunta formulada sobre o estatuto jurídico dos animais consiste em declará-los «coisas» em sentido jurídico. (…) Sendo certo que alguns animais constituem «res nullius» e que outros não podem ser apropriados pelos particulares, todos devem ser incluídos no conceito de coisa, visto ser bastante o poder jurídico em potência (MANUEL DE ANDRADE). São os animais coisas móveis, porque não estão incluídos na enumeração dos imóveis a que o CC alude (arts. 204.º e 205.º)”.
Já FERNANDO ARAÚJO (A Hora dos Direitos dos Animais) parece colocar-se ao lado daqueles que defendem que os animais não são simples coisas ao afirmar que “(…) quando a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 1978, remata com uma exigência de salvaguarda dos direitos dos animais num plano similar ao da defesa dos direitos do homem (art. 14.º 2), tal, insistamos, não deve entender-se como uma tradução de um propósito de confusão de planos, mas antes como expressão do mais modesto objectivo de busca de lugares paralelos, de concretização detalhada de consagrações já alcançadas noutras áreas do Direito”. Este autor defende, assim, um especismo «moderado».
Este autor, não entrando no extremo de “atribuir” direitos a todos os animais – no limite as moscas e os ácaros também teriam direitos – considera que “parece, em síntese, não haver nada de particularmente refractário à admissão de um reconhecimento discriminado de direitos dos animais, mais intenso em função da densidade de interesses que possa ser associada à inteligência e à emotividade reveladas na conduta dos membros de cada espécie não-humana.” Acrescenta ainda, este autor em jeito de conclusão que “(…) quando não seja possível oferecer aos animais um quadro jurídico de salvaguarda personalizada e plena, restará conceber que a forma como lhes seja imposto sofrimento pode ofender uma ética de compaixão «não-especista» que os seres humanos – alguns ou todos – cultivam, uma ética com deveres agravados pela incapacidade de essas vítimas de sofrimento poderem discernir uma intencionalidade causal e poderem interagir com ela, seja prevenindo-a, seja reagindo a ela. Uma tal «ética de respeito» contribuiria para a diminuição efectiva do sofrimento de seres vivos. Fá-lo-ia de forma de certo menos culturalmente respeitável e sólida do que a que se obteria com a consagração de direitos subjectivos dos animais – mesmo assim faute de mieux, uma forma eticamente impecável e pragmaticamente relevante”. Este autor parece mesmo defender, pelas linhas acima transcritas, que deviam existir direitos subjectivos dos animais.
Para terminar, resta concluir que tal como preconiza MARTHA NUSSBAUM os animais devem ter uma existência condigna em que possam usufruir do meio ambiente onde habitam com tranquilidade. Não é correcto que o homem o “utilize” a seu bel-prazer sem qualquer preocupação pela sua vida. É necessário proteger os animais das agressões externas, (propositadas ou não) do ser humano e punir quem incumpra as regras já definidas em legislação ordinária.
Não caindo no extremo de atribuir direitos subjectivos aos animais, é imperativo que estes mereçam uma tutela adequada à sua condição de “animais” acautelando as suas características.
Bastante já foi feito, muito há ainda a fazer!
Inês Maia Arêde
N.º 15135 Subturma 5