terça-feira, 31 de março de 2009

De que falamos quando falamos de ambiente?

"Tendo em conta as condições de que dispõe e na medida do possível, é a natureza que faz sempre as coisas mais belas e melhores" (Aristóteles)

De que falamos quando falamos de ambiente?
Para analisar esta noção pode partir-se de duas concepções, uma ampla e outra restrita.
Na concepção ampla de ambiente estão integrados os bens naturais e culturais, entenda-se os recursos naturais e as acções humanas sobre o meio ambiente.
Por sua vez a concepção restrita, circunscreve o conceito de ambiente ao seu núcleo essencial sem considerar as influências humanas, abarcando apenas os recursos naturais.
Antes de avançar qualquer consideração em concreto sobre as opções legislativas, cabe distinguir alguns conceitos essenciais.
Nomeadamente o conceito de património ou bem cultural, para tal cabe chamar à colação o artigo 2.º, n.º1 da Lei do Património Cultural. Segundo a noção dada por este artigo deve entender-se como património cultural "todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura, portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização", devendo reflectir "valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade".
Relativamente às acções sobre o meio ambiente, cabe invocar um importante conceito, o urbanismo. Com sede constitucional no artigo 65.º, resulta do mesmo que o urbanismo é o "interesse do Estado numa correcta gestão do uso e transformação dos solos urbanos, ou seja, daqueles que mais directamente se relacionam com o espaço da cidade", segundo as palavras da Professora Doutora Carla Amado Gomes.
O legislador português não adopta uma posição firme quanto ao conceito de ambiente e de Direito do Ambiente, conforme apontado pela Autor já citada.Analise-se então o porquê desta desordem conceptual.
o artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), revela a confusão do legislador relativamente ao conceito de ambiente, tendo em conta que o n.º2 do já referenciado artigo abarca uma série de realidades que extravassam o núcleo duro do conceito agora em análise - o ambiente.
Exemplos claros desta visão ampla, que acabam por desfigurar o conceito de ambiente são as alíneas b), c) in fine , e), e h) in fine do n.º2 do artigo supra citado.
Não obstante da matéria ambiental ser eminentemente e cada vez mais transversal é de questionar a opção legislativa ao estender o n.º2 do artigo 66.º ao ponto de abarcar matérias já abrangidas noutros preceitos constitucionais.Esta realidade é facilmente apreeensível através do confronto dos artigos 65.º e 78.º com as alíneas anteriormente mencionadas.
Até aqui parece que o legislador optou por uma concepção ampla mas analisando a problemática um pouco mais a fundo, verifica-se que não é bem assim.
A Lei de Bases (LBA) logo no seu artigo 1.º define o seu âmbito como sendo "as bases da política de ambiente, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa".
Tal posição encontra ainda apoio no artigo 5.º, n.º2, alínea a) da LBA, onde se define ambiente como "conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e as suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos".
No entanto uma leitura mais atenta do diploma acaba por gerar alguma perplexidade perante o conceito de ambiente adoptado.
No capítulo II, referente aos componentes ambientais naturais, encontra-se o artigo 6.º que parece remeter para um conceito restrito de ambiente, ao definir componentes ambientais naturais apenas o ar,a luz, a água, o solo vivo e subsolo, a flora e a fauna.
Por seu turno o artigo 17.º, nº1 do mesmo diploma refere os componentes ambientais humanos como "o quadro específico de vida, onde se insere e de que depende a actividade do homem,que, de acordo com o presente diploma, é objecto de medidas disciplinadoras com vista à obtenção de uma melhoria de qualidade de vida". o n.º3 deste artigo enumera esses mesmo componentes. Note-se que encarregues deste mesmos componentes ambientais humanos encontram-se o Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território.
Recordando as noções anteriormente avançadas de património cultural e urbanismo, torna-se clara e perceptível a confusão do legislador no tocante à definição de ambiente.
Será então preferível a adopção de uma concepção restrita de ambiente, seguindo a posição do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva. Tomando por base o artigo 6.º da LBA, o conceito de ambiente irá abarcar as realidades da natureza, os componentes ambientais naturais.
Esta concepção facilita a compreensão do conceito em causa sem necessidade de intricar outros conceitos que apesar de estarem relacionados com o ambiente não se inserem no seu núcleo duro.
A adopção desta concepção não invalida no entanto o relacionamento do conceito de ambiente com realidades que lhe são bastante próximas, nomeadamente o urbanismo e o património cultural.