terça-feira, 31 de março de 2009

A Constituição é Verde por Todos Nós

Indubitavelmente, a Constituição da República Portuguesa, no seu art. 66/1 reconhece a todos os cidadãos um direito ao ambiente. Um tal direito já se deixava entrever pelo disposto no art. 9/d), ao estabelecer, enquanto tarefa fundamental do Estado, entre outras, a de promover a efectivação dos direitos sociais, económicos, culturais e ambientais dos portugueses. A CRP de 76 reconhece assim, pela primeira vez, um direito subjectivo ao ambiente que vai tutelar, tanto pela via subjectiva, através da enumeração de um conjunto de direitos subjectivos (66/1 CRP), como pela via objectiva, ao atribuir certos deveres ao Estado (9 CRP).

Não posso deixar de considerar que este direito ao ambiente, constitucionalmente consagrado e protegido, é, efectivamente, um direito fundamental. Para tal, parto da permissa de que a ratio essendi de todo o direito fundamental é o princípio absoluto da dignidade da pessoa humana. É a necessidade de realização da pessoa humana, enquanto pedra basilar do Estado Democrático (art. 1 CRP), que vai impôr ao Estado, em diferentes momentos, o reconhecimento de diferentes direitos fundamentais, de diferentes naturezas e conteúdos. Partindo desta ideia, facilmente se compreenderá o direito ao ambiente como um direito que surge (no sentido de ser reconhecido pelo Estado) tardiamente, pois só tardiamente a sociedade começa a tomar consciência da questão ambiental.

Por isso é comummente afirmado que o direito ao ambiente surge como um direito de terceira geração, se tivermos em conta que estas gerações de direitos fundamentais correspondem a "estádios sucessivos de aprofundamento e desenvolvimento dos direitos do Homem". Assim, numa primeira fase, protagonizada por um modelo de Estado Liberal, a primeira geração de direitos fundamentais caracteriza-se pela preocupação de conferir ao cidadão uma esfera de liberdade face à actuação estatal e uma área de defesa perante eventuais agressões por parte dos poderes publicos, ao mesmo tempo que impõe ao Estado um dever de abstenção dos seus poderes na esfera dos cidadãos. Já numa segunda geração, levada a cabo pelo Estado Social, que se assume como Estado prestador de serviços e intervencionista, a protecção do cidadão passa a ser assegurada pela prória actuação do Estado, com a criação de direitos sociais como o direito à saúde, educaçao, segurança social... O direito ao ambiente suge numa já referida terceira geração de direitos, que tem origem no Estado Pós-social e que decorre do aparecimento crescente de novas ameaças que vêm por em causa a vida e o bem-estar dos indivíduos. É o desenfreado progresso científico e tecnológico, bem como algumas consequências catastróficas dele decorrentes (como o caso Chernobyl, em 1986), que fazem com que o Homem se consciencialize da que a sociedade pode ser destruida por sua causa. Neste estado de coisas, a realização da pessoa humana vem exigir do Estado um comportamento que proteja o indivíduo da destruição de um meio ambiente saudável.

Enquadrado o aparecimento do direito ao ambiente como verdadeiro direito fundamental, nele se reconhecendo tanto uma vertente positiva, na medida em que a sua plena efectivação exige a colaboração dos poderes públicos através de tarefas fundamentais a desenvolver pelo Estado, como uma vertente negativa, na medida em que se veda aos poderes públicos eventuais agressões à esfera privada dos indivíduos, inclino-me para a consideração de que a nossa Consituição adopta uma perspectiva marcadamente antropocentrista. De facto, temos q concluir o conjunto de regras responsáveis pela regulação do ambiente se concretiza na atribuição de direitos públicos aos particulares. Esta perspectiva egoísta, ao invés de uma outra que defende uma "personificação das realidades naturais, mediante a indistinção entre protecção jurídica subjectiva e tutela objectiva" parece ser a que melhor tem em conta a globalidade dos interesses em presença. Não se trata aqui de conferir ao direito ao ambiente uma protecção absoluta, mas sim de encontrar o equilíbrio saudável entre o interesse público (e também privado) e tantos outros interesses inerentes ao Homem.

O argumento que considera a atribuiçao de tarefas ao Estado (nomeadamente no art. 9) como indicador de uma visão ecocentrista inerente à Constituição, que considera o ambiente como um bem em si próprio, merecedor de uma tutela autónoma não deve colher. Como já foi referido, todos os direitos fundamentais contam com uma vertente positiva, a qual resulta da necessidade de actuação positiva do Estado para que estes possam alcançar uma plena efectividade.