A questão em análise no referido acórdão respeita à reserva de competência atribuída aos tribunais administrativos face aos tribunais civis, em matéria de apreciação de emissão de mandato judicial para remoção de animais cujo alojamento viole os limites impostos pelo art.º 3.º do Decreto-lei n.º 314/2003 de 17 de Dezembro. É igualmente relevante o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 579/95, para o qual a decisão em análise remete largamente.
A questão de fundo subsume-se ao facto de saber se estamos na presença de relações de sujeitos privados, relações de vizinhança a serem discutidas no seio do Direito Privado, ou se estamos perante a protecção de um bem público que justifique a intervenção do Estado, na qualidade de cumpridor e protector de direitos fundamentais conexionados com o bem colectivo em causa, de acordo com uma concepção de Estado que promove condições de exercício e tutela dos direitos de todos nós, mesmo aqueles direitos que se caracterizam tradicionalmente por conferirem uma esfera de autonomia aos seus titulares, esfera de autonomia essa exercida contra o Estado. Discute-se por isso a constitucionalidade de uma norma, quando interpretada no sentido de colocar no âmbito das relações privadas uma matéria que deveria ser tratada do ponto de vista do Direito Administrativo e do acto administrativo, enquanto conformador de uma situação jurídico-administrativa individual, susceptível de recurso de acordo com os procedimentos próprios do ramo do Direito onde se insere, em conformidade com a Constituição, nos termos da separação feita pelos arts. 211.º e 212.º e também com a reserva de jurisdição presente no art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, também mencionado no Acórdão, nomeadamente a a) do n.º 1 do artigo já referido.
De acordo com a visão dos direitos fundamentais que encontra nestes uma dimensão axiológica e histórica, evidenciando a sua constante mutabilidade, mesmo aqueles tradicionalmente chamados de “primeira geração”, teriam uma componente não só negativa, como também positiva, na medida em que mesmo o exercício deste tipo de direitos presume uma certa actuação por parte do Estado, visão que se generalizou com o surgimento de novas “vagas” de direitos, que para além de constituírem o culminar de uma nova perspectiva do papel da Administração na sociedade, alteram a perspectiva existente sobre outros já anteriormente consagrados, conferindo-lhes um carácter de prestação, embora não tão vincado como o que está presente nos chamados direitos de “segunda e terceira geração”. A par destes direitos fundamentais, surgem outros de pendor social que os concretizam e desenvolvem, como o que está a ser aqui apreciado. Diz-nos o acórdão, remetendo para a fundamentação de uma decisão anterior, o Ac. n.º 579/95, que se debruçou sobre o art. 10.º do Decreto-Lei n.º 317/85, atribuidor de competência ao tribunal de comarca para decidir do recurso da decisão camarária de remoção de canídeos: “Só para uma concepção liberal historicamente datada, segundo a qual os poderes públicos não englobam entre os seus objectivos a promoção de bens colectivos de interesse geral, nomeadamente a qualidade de vida dos habitantes das povoações, é que situações como as referidas no artigo 10.º, n.º 4, poderão ser identificadas como meros conflitos de interesses ou direitos entre sujeitos privados.”
Parece-nos que o tratamento adequado desta matéria deve ser, efectivamente, o que é facultado pelo Direito Administrativo, na medida em que se trata de um bem público geral, uma concretização do dever do Estado, mais concretamente da pessoa colectiva pública município, de assegurar uma boa qualidade de vida à população, salvaguardando condições de tranquilidade, salubridade e higiene e preservando, deste modo, a saúde pública.
A questão de fundo subsume-se ao facto de saber se estamos na presença de relações de sujeitos privados, relações de vizinhança a serem discutidas no seio do Direito Privado, ou se estamos perante a protecção de um bem público que justifique a intervenção do Estado, na qualidade de cumpridor e protector de direitos fundamentais conexionados com o bem colectivo em causa, de acordo com uma concepção de Estado que promove condições de exercício e tutela dos direitos de todos nós, mesmo aqueles direitos que se caracterizam tradicionalmente por conferirem uma esfera de autonomia aos seus titulares, esfera de autonomia essa exercida contra o Estado. Discute-se por isso a constitucionalidade de uma norma, quando interpretada no sentido de colocar no âmbito das relações privadas uma matéria que deveria ser tratada do ponto de vista do Direito Administrativo e do acto administrativo, enquanto conformador de uma situação jurídico-administrativa individual, susceptível de recurso de acordo com os procedimentos próprios do ramo do Direito onde se insere, em conformidade com a Constituição, nos termos da separação feita pelos arts. 211.º e 212.º e também com a reserva de jurisdição presente no art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, também mencionado no Acórdão, nomeadamente a a) do n.º 1 do artigo já referido.
De acordo com a visão dos direitos fundamentais que encontra nestes uma dimensão axiológica e histórica, evidenciando a sua constante mutabilidade, mesmo aqueles tradicionalmente chamados de “primeira geração”, teriam uma componente não só negativa, como também positiva, na medida em que mesmo o exercício deste tipo de direitos presume uma certa actuação por parte do Estado, visão que se generalizou com o surgimento de novas “vagas” de direitos, que para além de constituírem o culminar de uma nova perspectiva do papel da Administração na sociedade, alteram a perspectiva existente sobre outros já anteriormente consagrados, conferindo-lhes um carácter de prestação, embora não tão vincado como o que está presente nos chamados direitos de “segunda e terceira geração”. A par destes direitos fundamentais, surgem outros de pendor social que os concretizam e desenvolvem, como o que está a ser aqui apreciado. Diz-nos o acórdão, remetendo para a fundamentação de uma decisão anterior, o Ac. n.º 579/95, que se debruçou sobre o art. 10.º do Decreto-Lei n.º 317/85, atribuidor de competência ao tribunal de comarca para decidir do recurso da decisão camarária de remoção de canídeos: “Só para uma concepção liberal historicamente datada, segundo a qual os poderes públicos não englobam entre os seus objectivos a promoção de bens colectivos de interesse geral, nomeadamente a qualidade de vida dos habitantes das povoações, é que situações como as referidas no artigo 10.º, n.º 4, poderão ser identificadas como meros conflitos de interesses ou direitos entre sujeitos privados.”
Parece-nos que o tratamento adequado desta matéria deve ser, efectivamente, o que é facultado pelo Direito Administrativo, na medida em que se trata de um bem público geral, uma concretização do dever do Estado, mais concretamente da pessoa colectiva pública município, de assegurar uma boa qualidade de vida à população, salvaguardando condições de tranquilidade, salubridade e higiene e preservando, deste modo, a saúde pública.
Pode retirar-se deste acórdão e da legislação relacionada, nomeadamente o Decreto-lei 314/2003 já referido, a posição adoptada pela nosso legislador quanto à protecção conferida aos animais. De uma perspectiva antropocêntrica, fará todo o sentido tutelar os animais, através de deveres imputados ao Homem, esse sim dotado de personalidade jurídica e de capacidade (ainda que não plena em alguns casos), justificadoras da subjectivização de direitos e da tutela dos mesmos, contra agressões ilegais por parte de entidades públicas e privadas. Não se quer com isto dizer que o meio ambiente se traduz numa mera realidade instrumental ao Homem, mas que apenas faz sentido conceber a sua tutela, protecção e valorização enquanto exercida pelo ser humano, através de mecanismos jurídicos, concebendo-se o Direito como uma realidade humana. Essa tutela ambiental constitui igualmente uma tarefa do Estado, aqui concretizada no sentido de garantir uma boa qualidade de vida ao agregado populacional, tentando conformar os vários interesses em presença: o direito à tranquilidade e salubridade, o direito e dever de proporcionar aos animais e às pessoas um ambiente condigno e a liberdade de cada um. Para realizar esta tarefa, do ponto de vista da tutela subjectiva e objectiva, não é necessário adoptar posições ecocêntricas fundamentalistas que alteram a natureza jurídica da posição dos animais e os equiparam aos seres humanos. Desta forma, ao reconhecer-se como uma tarefa do interesse público, está-se a responsabilizar quem verdadeiramente deve ser responsabilizado pela violação de condições de salubridade, higiene e tranquilidade: o Homem. A ratio presente na legislação em apreço é precisamente a de evitar que animais e pessoas convivam de uma forma nociva para ambos, a de evitar que os direitos de propriedade e de posse, exercidos sobre os animais enquanto coisas móveis, visão bastante desadequada face à sociedade em que vivemos, sendo porventura preferível a criação de um estatuto específico, mas, ainda assim, a visão que é consagrada no Código Civil (arts. 204.º e 205.º), possam vir a ser oponíveis à tutela de um meio salubre para animais e seres humanos.
Deste modo, o Estado procura efectivar essa mesma tutela de um bem colectivo geral através de legislação que regule essa vivência em comum entre pessoas e animais, estabelecendo-lhe limites e condições. De notar que, para que esta tutela seja efectivamente praticada, de acordo com a ideia que defendemos, é também necessário que as autoridades públicas criem as condições necessárias e adequadas para remover e abrigar os animais assim recolhidos, o que sabemos que nem sempre acontece, bastando para tal olhar para as condições de muitos canis e gatis municipais. Para cumprir de alguma forma estes objectivos, ainda que longe da forma ideal de concretização dos mesmos, o Estado encontra-se frequentemente dependente da actividade de associações que se dedicam, precisamente, à luta pela protecção e melhores condições de vida dos animais, um interesse que é de todos nós, enquanto parte integrante do meio ambiente que nos rodeia.
Deste modo, o Estado procura efectivar essa mesma tutela de um bem colectivo geral através de legislação que regule essa vivência em comum entre pessoas e animais, estabelecendo-lhe limites e condições. De notar que, para que esta tutela seja efectivamente praticada, de acordo com a ideia que defendemos, é também necessário que as autoridades públicas criem as condições necessárias e adequadas para remover e abrigar os animais assim recolhidos, o que sabemos que nem sempre acontece, bastando para tal olhar para as condições de muitos canis e gatis municipais. Para cumprir de alguma forma estes objectivos, ainda que longe da forma ideal de concretização dos mesmos, o Estado encontra-se frequentemente dependente da actividade de associações que se dedicam, precisamente, à luta pela protecção e melhores condições de vida dos animais, um interesse que é de todos nós, enquanto parte integrante do meio ambiente que nos rodeia.