segunda-feira, 30 de março de 2009

3º tarefa: O conteúdo do princípio da Precaução

A determinação do conteúdo do Princípio da Precaução

Ora, nesta tarefa partimos de um ponto prévio que se discute nesta matéria, o de saber se existe verdadeiramente um princípio da Precaução enquanto princípio autónomo ou se existe apenas um princípio da Prevenção em sentido lato. Ainda que sejamos partidários da posição do professor VASCO PEREIRA DA SILVA e entendamos que há apenas uma ideia de prevenção lato sensu, vamos delimitar o conteúdo do princípio da Precaução, que a doutrina com posição contrária à nossa defende.
Nas doutrinas que defendem a existência de um Princípio da Precaução, temos três grandes concepções quanto ao conteúdo e âmbito do princípio, duas delas fundamentalistas e uma tese intermédia. Os próprios autores que defendem a existência deste princípio reconhecem que muitas vezes não é claro o seu conteúdo e que estamos num campo onde não há unanimidade, mas muitas flutuações entre os autores. Neste sentido se pronunciam GOMES CANOTILHO (in Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998, pág. 48 e ss.) e ANA MARTINS ( in O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2002, pág. 53 e ss.). Aliás a afirmação para comentar é ilustrativa desta posição da autora na parte em que se refere a que “a definição do conteúdo [do princípio da Precaução] revela-se extremamente vaga ou conhece grandes oscilações”.
Segundo uma das teses fundamentalistas, virada para uma visão economicista, a actuação do princípio só se verifica quando existam riscos para o ambiente que apresentem uma grande probabilidade de ocorrerem e que sejam aptos a causar danos graves e irreparáveis. Por outro lado, a tese eco-fundamentalista defende que o princípio deve intervir sempre excepto se o interessado na actividade económica garantir o risco zero para o ambiente. Já GOMES CANOTILHO e ANA MARTINS situam-se numa via intermédia. A autora referida distingue entre riscos e perigos, afirmando que o perigo existe quando há conhecimento de que uma acção causa um dano a um bem jurídico e que o risco existe quando não há uma certeza científica de que um acto gera um dano a um bem jurídico. A autora distingue entre risco residual (situações em que a ocorrência de dano está praticamente excluída pela ciência) e risco previsível (situações em que é possível ocorrer um dano, mas não se sabe com certeza se tal vai acontecer, ficando aquém do patamar do perigo) e conclui que o Princípio da Precaução visa evitar riscos (e não perigos, que estariam abrangidos pelo Princípio da Prevenção), e dentro destes, apenas os riscos previsíveis. Assim, discorda das teses que exigem um risco zero ou até mesmo o mero risco residual e discorda também das teses que exigem um risco muito sério de se provocar danos irremediáveis, ficando a noção de risco previsível a meio caminho entre o risco residual e o risco muito significativo de dano irreparável. Para determinar os riscos que justificam a intervenção do Princípio da Precaução, é preciso analisar, avaliar e graduar os riscos. Das três posições referidas retira-se, como refere a afirmação para comentar, que com mais ou menos oscilações quanto ao grau de risco exigido, o princípio tem um “núcleo duro constituído pela possibilidade de adopção de medidas destinadas a impedir o risco de produção de danos ambientais”.
Estando na presença de um princípio de conteúdo algo vago e impreciso, mas com consagração legislativa no art. 174/2 TCE, tentaremos dar algumas linhas densificadoras do seu conteúdo apontadas pela doutrina.
A precaução, em primeiro lugar, tem subjacente a ideia de que perante ameaças de danos sérios ao ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma actividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para evitar a sua ocorrência. Esta é a lógica da antecipação dos riscos ambientais, que para estes autores se distingue da antecipação de perigos.
Uma segunda ideia inerente ao conteúdo deste princípio e apontada por GOMES CANOTILHO e ANA MARTINS (obras citadas) é a de inversão do ónus da prova, pelo que já não compete ao Estado ou aos potenciais afectados com a poluição demonstrar que a actividade causa danos ao ambiente, mas sim ao indivíduo que pretende exercer uma dada actividade ou desenvolver uma nova técnica provar que aquela actividade ou técnica não apresenta riscos graves e sérios para o meio ambiente.
A terceira ideia proveniente deste princípio, e referida por ambos os autores já invocados, reside no sub-princípio in dubio pro ambiente ou in dubio contra projectum. Segundo este sub-princípio, na dúvida sobre a perigosidade de uma certa actividade para o ambiente, decide-se a favor do ambiente e contra o potencial poluidor. Neste sentido, ANA MARTINS, (ob. cit.) “Se a irreversibilidade e a gravidade de uma situação for temida, designadamente, por subsistirem dúvidas significativas quanto à produção de danos ambientais ou por a ciência não conseguir avaliar as consequências de uma dada actividade, não se devem correr riscos, dando-se prioridade à protecção ambiental” e a autora acrescenta “Quando os argumentos a favor e contra um determinado projecto se revelarem igualmente fortes, o conflito de interesses económicos com interesses ambientais deve ser decidido em prol do ambiente (…), conferindo-se prioridade à prognose negativa sobre a prognose positiva”
Uma quarta dimensão do conteúdo do Princípio da precaução é a que se traduz na ideia “as low as reasonably practicable”, ou seja, numa ideia um pouco imprecisa de que se devem fixar os limites mais baixos possíveis na fixação dos limites dos poluentes, de forma a prevenir riscos ainda não identificados, por um lado, e de que se devem adoptar as melhores tecnologias para controlar o desenvolvimento das actividades que apresentem riscos para o ambiente, por outro lado.
Uma quinta ideia é a de que as empresas têm de utilizar processos e métodos operacionais limpos, que preservem os recursos naturais e outros bens ambientais ou que impeçam/diminuam impactos nefastos no ambiente.
Outra dimensão de conteúdo apontada por ANA MARTINS (ob. cit.) é a exigência de preservação de áreas e reservas naturais e a protecção das espécies. Este princípio fundamenta a criação de reservas naturais e a protecção de animais em vias de extinção.
Por fim, uma sétima dimensão do conteúdo do Princípio da Precaução é a de promoção da investigação científica e de realização de estudos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma actividade, falando-se hoje da emergência de uma “ciência verde” que procura conhecer os riscos ambientais.
É, pois, nestes moldes que a doutrina encara o princípio da Precaução.


Cláudia Isabel Ferraz DiasSubturma 5