quinta-feira, 4 de junho de 2009

O princípio do desenvolvimento sustentável

A ideia de princípio do Direito do Ambiente é prévia à análise do princípio do desenvolvimento sustentável enquanto tal, pelo que nos deteremos naquela antes de comentar a frase citada.

Os designados princípios de Direito do Ambiente brotam de fontes internacionais, com relevo para a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 16 de Junho de 1972 (Declaração de Estocolmo) e a Carta do Rio sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente de 14 de Junho de 1992. Ademais, encontramos na jurisdição nacional e internacional, bem como em tratados bilaterais e multilaterais, os referidos princípios e a definição dos mesmos.

O que devemos, pois, considerar como princípios? Qual o seu papel?

Como refere Gericke, a protecção directa ou indirecta dos valores considerados essenciais no contexto de uma sociedade é o propósito fundamental de qualquer sistema legal. Estes valores sofrem, naturalmente, mudanças, fenómeno este de grande impacto na concretização da tutela ambiental. Como tal, a adopção de qualquer novo instrumento ou princípio por parte de qualquer sistema legal é precedida de proclamações por organismos ou convenções internacionais. O papel destas é, assim, “preparar o terreno” para a plena consagração e vigência dos novos princípios.

Podemos, destarte, afirmar a importância de diplomas como a Declaração de Estocolmo, a Carta Mundial da Natureza ou a Carta do Rio sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente, já mencionada. Além destes, muitos outros documentos materializam óptimos pontos de partida para uma abordagem concreta à criação de legislação, como refere o mesmo Autor.

Não esqueçamos que a origem e evolução do Direito Internacional do Ambiente levou a um processo, lento é certo, que conduziu à preocupação ecológica iniciada na década de sessenta, daí a consagração tardia de alguns destes princípios.

Destacaremos, com interesse para a análise do princípio do desenvolvimento sustentável, a Carta Mundial da Natureza de 1982. Nela encontramos alguns conceitos fundamentais acerca da relação do ser humano com a natureza. De facto, é dado um enfoque especial à conciliação das políticas de conservação ambiental como o planeamento de um modelo de desenvolvimento sócio-económico, onde todos os recursos naturais são tidos em consideração, com o intuito de garantir a subsistência das populações humanas. Este diploma prevê, quanto a metade dos princípios nele previstos, a incorporação nos textos legais de cada um dos Estados, bem como uma alargada sensibilização pública sobre questões ambientais e um devido controlo do Estado do meio ambiente. Consagra-se ainda a criação de fundos, programas e estruturas administrativas necessárias à prossecução dos objectivos propostos. Apesar de os princípios que encontramos na Carta não serem parte de qualquer instrumento legal vinculativo, influenciaram decisivamente a orientação do Direito Internacional e nacional do Ambiente, nomeadamente no que diz respeito ao princípio do desenvolvimento sustentável.

O que é facto é que, desde finais dos anos oitenta, o termo desenvolvimento sustentável dominou as acções e medidas na área da protecção ambiental. No Relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1987 aparece definido enquanto “desenvolvimento que corresponde às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”. Além disso, este Relatório identificou os principais objectivos do desenvolvimento sustentável:

·         Revitalizar o crescimento, alterando, porém, a sua qualidade;

·         Satisfazer necessidades essenciais e emprego, alimentação, energia, água e saneamento;

·         Assegurar um nível sustentável de população;

·         Conservar e melhorar a base de recursos;

·         Redireccionar a tecnologia e gerir os riscos;

·         Unir o meio ambiente e economia na tomada de decisões.

Assim, do princípio n.º 4 da Carta do Rio consta que “ a fim de alcançar o desenvolvimento sustentável, a protecção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento, não podendo ser vista isoladamente”.

Como tal, vem a insistir-se no esboço do pacto sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento na integração do meio ambiente e do desenvolvimento em todos os níveis e em todas as fases do planeamento. As políticas de desenvolvimento deverão ter como objectivo a erradicação da miséria, o melhoramento geral de condições económicas, sociais e culturais, a conservação da diversidade ecológica e sistemas de suporte de vida essenciais. Ademais, preceitua-se como responsabilidade das autoridades nacionais a revisão das próprias políticas e dos planos ambientais, bem como a criação de leis e de outras regras, com vista à aplicação destas ideias pelos sujeitos nacionais, tal como desenvolver e reforçar estruturas e processos institucionais, com o intuito de integrar assuntos de natureza ambiental e de desenvolvimento em todas as esferas de tomada de decisões.

Por fim, decorre ainda deste diploma a importância de estratégias a longo prazo que englobem a avaliação de impactos ambientais e sociais, análises de custo/vantagem, bem como a contabilidade dos recursos naturais.

Chegados a este ponto é seguro afirmar que o alcance inicial do princípio sob análise era, sobretudo, de natureza económica, como nota Vasco Pereira da Silva. Actualmente possui também uma dimensão jurídica, tanto ao nível internacional (como já foi demonstrado), como ao nível interno. No nosso país, assume a natureza de princípio constitucional (art 66./2), ao exigir uma ponderação das consequências para o meio ambiente de qualquer decisão jurídica de natureza económica tomada pelos poderes públicos e, citando o mesmo Autor, “a postular a sua invalidade no caso de os custos ambientais inerentes à sua efectivação serem incomparavelmente superiores aos respectivos benefícios económicos, pondo em causa a sustentabilidade dessa medida de desenvolvimento”.

Devemos entender, alargando o conteúdo da definição do Autor, que o princípio do desenvolvimento sustentável impõe na nossa ordem jurídica uma integração da política ambiental, social e económica, exigindo transparência e participação pública nacional na tomada de decisões pelas entidades públicas.

Assim, não obstante e enumeração, a classificação e a denominação dos princípios não serem unânimes, devido ao desenvolvimento recente dos mesmos, devemos considerar que o desenvolvimento sustentável consubstancia um verdadeiro princípio, por duas ordens de motivos. Primeiro, entendemos que exprime um valor fundamental do Direito Internacional e nacional do Ambiente, atentando à sua consagração em múltiplos diplomas, como já foi demonstrado. Em segundo lugar, a concretização e desenvolvimento crescentes do seu conteúdo material permitem-nos refutar a “deriva formulativa”, bem como a possibilidade de “aplicação casuística”, alegadas por Carla Amado Gomes.

Diremos, finalmente, com Vasco Pereira da Silva, que na ordem jurídica portuguesa este princípio constitucional obriga à “fundamentação ecológica de uma determinada medida, afastando por inconstitucionalidade a tomada de decisões importantemente gravosas para o ambiente”.


Vasco Pereira da Silva, Como a Constituição é Verde

Robert C. Gericke, Conteúdo e Âmbito dos Princípios do Direito Internacional do Ambiente

Silvia Jaquenod de Zsõgõn, El Derecho Ambiental y sus Principios Rectores



Inês Dias Pinheiro

Subturma 3

N.º 15370