sexta-feira, 29 de maio de 2009

Acórdão do STA sobre a localização da ponte Vasco da Gama

Neste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 14 de Março de 1995, está em causa um recurso interposto por uma associação de defesa do ambiente, a Liga para a Protecção da Natureza respeitante à deliberação do Conselho de Ministros do Estado Português no sentido de aprovar um Decreto Lei que vem estabelecer a localização da Ponte Vasco da Gama na zona do Estuário do Tejo. Os principais pontos em discussão são o facto de ter sido ou não desrespeitado o conteúdo do art. 4.º n.º 4 da Directiva 79/409/CEE e se a construção da ponte seria um projecto que devesse ou não ser objecto de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA).

De acordo com as principais alegações da recorrente, está antes de mais em causa uma Directiva do Conselho das Comunidades Europeias, a Directiva 79/409/CEE, publicada a 2 de Abril De 1979 que impõe, entre outros aspectos, a obrigatoriedade de cada Estado membro da União criar, no seu território, áreas protegidas, denominadas Zonas de Protecção Especial, onde devem proibir o desenvolvimento de qualquer tipo de actividade que seja susceptível de perturbar as aves selvagens que aí acorrem. O que esta recorrente vem alegar é que a zona do estuário do Tejo, onde se projecta que venha a ser construída a ponte, é uma ZPE e que, além do mais, é das mais importantes áreas húmidas da Europa no que respeita à conservação das aves aquáticas selvagens, sendo dotada de inúmeras potencialidades biológicas decorrentes das características específicas que a margem sul do rio Tejo apresenta pelo que, a se concretizar a construção, as aves seriam significativamente afectadas, pois iria ser destruída grande parte dos seus habitats e haveria uma diminuição da qualidade do ar e, por seu turno, um aumento da poluição.
Em resposta, o que alega a entidade recorrida é que “o acto impugnado não é uma actividade directamente dirigida à deterioração dos habitats e à perturbação das aves e a construção de uma ponte nunca se pode incluir numa daquelas actividades e é uma realização com objectivos de prossecução de interesses públicos superiores, mais valiosos, aos que visam alcançar com as proibições da Directiva”.
A posição evidenciada pelo Ministério Público neste caso foi a da inexistência de uma ZPE no Estuário do Tejo e que a construção da ponte deveria ser objecto de AIA.

Ora, antes de analisarmos a posição que foi adoptada pelo STA, convém analisarmos o conceito que está aqui em foco, o de Zona de Protecção Especial, e qual a importância de um projecto visar ter implementação numa zona com essa característica.
Antes de mais, vou fazer referência à evolução legislativa registada nesta matéria até hoje. Um conceito muito importante para o meio ambiente nos dias de hoje é o da Rede Natura 2000, que consiste numa rede de áreas designadas para conservar os habitats e as espécies selvagens raras, ameaçadas ou vulneráveis na União Europeia. Com ela está relacionada a implementação de duas directivas comunitárias, a Directiva Aves (79/409/CEE, de 2 de Abril), relativa à conservação das aves selvagens, e a Directiva Habitats (92/43/CEE, de 21 de Maio), relativa à protecção dos habitats e da fauna e da flora selvagens. A primeira Directiva enunciada, que é a mais relevante para o acórdão em análise, foi a primeira grande acção conjunta dos Estados membros da UE para a conservação do património natural, e foi transposta para a ordem jurídica portuguesa através do Decreto Lei n.º 140/99, de 24 de Abril. A segunda Directiva referida prevê o estabelecimento de uma rede ecológica europeia de zonas especiais de conservação, a Rede Natura 2000, que engloba as ZEC (zonas especiais de conservação) e as ZPE (zonas de protecção especial).
De acordo com o D.L. n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro, que procede à alteração do D.L. n.º 140/99, de 24 de Abril, a Rede Natura 2000 “é uma rede ecológica de âmbito europeu que compreende as áreas classificadas como ZEC e as áreas classificadas como ZPE”.
Em Portugal Continental temos diversos sítios classificados como pertencentes à Rede Natura 2000, entre os quais podemos referir a Ria de Alvor, a Serra de Arga, a Serra da Estrela, a Serra de Monfurado e a zona de Peneda-Gerês.

Quanto ao acórdão em análise, de acordo com o STA, o que estava principalmente em foco era “analisar se o art. 4.º n.º 4 da Directiva n.º 79/409/CEE poderia ser invocada pela Recorrente como fundamento do recurso contencioso de anulação por ela interposto da deliberação do Conselho de Ministros quanto à localização da nova ponte sobre o Tejo, situada em território classificado de Zona de Protecção Especial (ZPE)”.
Ora, segundo afirma este Tribunal, o D.L. n.º 75/91, de 14 de Fevereiro, que no seu preâmbulo refere transpor a Directiva em causa, ignorou o tal art. 4.º n.º 4, que impõe aos Estados a adopção de medidas no sentido de “evitar, nas Zonas de Protecção (…), a poluição ou a deterioração dos habitats bem como as perturbações que afectam as aves, desde que tenham um efeito significativo (…)”. Para além destas Zonas de Protecção, os Estados membros esforçam-se igualmente por evitar a poluição ou a deterioração dos habitats”. Ainda segundo o Tribunal, é verdade que a Directiva impõe que se evite causar efeitos negativos nas Zonas de Protecção Especial criadas e, inclusive, que se tomem medidas (portanto, que haja uma posição activa dos Estados) nesse sentido. No entanto, como afirma o Tribunal, tais medidas com impacto negativo nas áreas em questão só serão proibidas se tiverem um “efeito significativo” a propósito dos objectivos fixados no preceito.
A conclusão a que chega do STA neste caso é a de que o resultado prescrito pela Directiva não evidencia um carácter preciso e incondicional, condições exigidas para a sua invocação pelos particulares independentemente de transposição do acto normativo em causa. A justificação deste órgão jurisdicional é a de que a Directiva “não especifica quais as actividades ou situações causadoras de poluição ou deterioração dos habitats e perturbações que afectem as aves, que assuma o “efeito significativo” a que alude a norma”. Como tal, o STA conclui afirmando que a Directiva em causa não tem efeito directo pelo que não foi violada pela deliberação em análise.

No que respeita à questão de a construção da ponte dever ou não ser objecto de AIA, o que a recorrente alega é que houve violação do art. 3.º nºs 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de Junho, entre outras disposições, ao que o recorrente responde que dos anexos da lei em causa, que elenca os projectos que estão sujeitos a um processo de AIA, não constam pontes nem infra-estruturas similares, e que o procedimento de AIA visa projectos de construção de obras ou infra-estruturas, e não a sua localização, que é o que foi aprovado pelo acto do Recorrente. O Tribunal veio concordar com esta posição de que não é a localização que está sujeita a AIA mas sim a própria construção, o que não é o caso aqui.

Em conclusão à análise desta jurisprudência e às suas decisões, cabe-me afirmar que a análise dos impactos negativos a nível ambiental de qualquer projecto nunca é um processo fácil, na medida em que sabemos que o alcance do risco zero é praticamente impossível, neste caso como em qualquer outro, e o facto é que é a partir de projectos como o da construção desta ponte que se desenvolvem as sociedades, neste caso específico através da facilitação dos acessos ao centro da capital do país, o que afigura uma necessidade imperiosa. Todos nós sabemos o caos que é entrar e sair de Lisboa nas horas de maior congestionamento, ainda mais quando só havia uma ponte a permitir isso no que respeita à margem sul.
É verdade que a zona do Estuário do Tejo, enquanto zona dotada de diversos recursos ambientais muito valiosos, não poderia ter sido “ocupada” de ânimo leve, sendo necessários o maior número possível de estudos e ponderações de modo a que fosse alcançada a solução mais viável em termos de uma ponderação entre custos e benefícios.
Havendo interesses atendíveis dos dois lados da questão, no âmbito do acórdão apresentado, não se afigura fácil a tarefa de “julgar o julgador” final desta causa, pelo que, face aos benefícios que, agora analisados a posteriori (de uma forma mais fácil), a ponte trouxe a nível de acessibilidades, resta-me afirmar que teria sido bem mais fácil se o Estado português tivesse cumprido no prazo mais breve possível e de forma fidedigna a sua obrigação de transpor a Directiva comunitária em causa, o que teria porventura ajudado a resolver este caso de outra forma.