Os maus tratos aos animais são um assunto que já não consegue passar despercebido. Com os fenómenos da globalização e da sociedade de informação, as cenas de crueldade infligidas aos animais já não nos passam ao lado, já não conseguimos ficar indiferentes. Felizmente vivemos em tempos de evolução e de consciência, e ainda há quem se preocupe e siga valores de respeito e dignidade e olhe para os animais como seres vivos que são…
Infelizmente não é isso que se passa nos circos. Os animais circenses são vistos como um meio para atingir um fim: o lucro económico. Abrem-se as cortinas e lá estão eles, a maravilhar milhares de miúdos e graúdos, com os seus truques e brincadeiras, a fazer as alegrias de quem paga para os ver. Mas o espectáculo acaba e as cenas dos bastidores já ninguém vê. Os animais são enjaulados em espaços demasiado pequenos, sujos, e sem o mínimo de condições, muitos deles são mal alimentados, não têm os cuidados médicos necessários, e os truques que tanto alegram o público também não lhes sai de maneira inata, levam tempo a treinar e com os treinos vêm os maus tratos físicos, as chicotadas, as pauladas, tudo serve desde que no fim o truque saia perfeito!
Se a utilização de animais, só por si, deve estar sujeita a restrições, estas mais se justificam quando se destina a este tipo de espectáculos públicos. O público gosta das brincadeiras e habilidades dos animais, mas fica indiferente ao sofrimento que lhes é imposto para que as consigam realizar.
Em França, nos termos do Decreto 87-223 é proibida a participação de animais em jogos e atracções, em feiras, arraiais e outros lugares abertos ao público. Em Itália são proibidos os actos cruéis e os maus tratos a todas as espécies de animais, sendo a multa cominatória elevada quando os animais são utilizados em espectáculos públicos, além de a condenação comportar a publicidade da sentença e a apreensão dos animais sujeitos a maus tratos. No Canadá chega mesmo a ser crime este tipo de comportamentos.
Na legislação portuguesa nada existe sobre espectáculos. Contudo, o artigo 5º/4 da Declaração Universal dos Direitos do Animal prescreve que as exibições, os espectáculos, os filmes que utilizem animais devem respeitar a sua dignidade e não comportar qualquer violência.
No nosso ordenamento jurídico um dos poucos diplomas que temos sobre maus tratos a animais é a Lei 92/95. Em sentido jurídico os animais são coisas, art.202 CC, e são coisas móveis pois não se encontram incluídos na enumeração dos imóveis a que o CC alude no seu art. 204. Não são sujeitos de direitos. José Tavares salienta que o fundamento do direito é a natureza do homem, não a do homem no estado selvagem ou a natureza individual do homem isolado, mas a sua natureza social, não se concebendo, por isso, normas jurídicas reguladoras de outros seres inferiores. É certo que existem normas jurídicas dirigidas no interesse dos animais, como é o exemplo das normas que proíbem os maus tratos, mas isto não significa que se estabeleçam regras entre homens e animais. A Declaração Universal dos Direitos do Animal, de 1978, insiste na atribuição de verdadeiros direitos aos animais, salientando, no seu preâmbulo, que “todo o animal possui direitos”. Consagra vários direitos como o direito à vida e à existência, o direito à integridade física e psíquica, o direito á saúde e ao bem estar, o direito á liberdade e o direito ao respeito. Esta posição radical sobre os direitos dos animais levou a discussões sobre o facto de, se os animais não têm deveres, também não podem ter direitos, o qual foi contra argumentado com o facto de os nascituros e os incapazes também não terem deveres mas terem direitos.
Embora, como se viu, os animais não sejam sujeitos de direito, não possam ser titulares de relações jurídicas, pelo menos por enquanto, o certo é que se pode falar nos direitos dos animais no sentido de deveres do homem para com os animais. É o homem que tem de protegê-los, uma vez que eles não se conseguem proteger a eles próprios, e é neste sentido que a Prof, Martha Nussbaum fala numa existência digna, com oportunidades de nutrição e actividade física, livre de dor e crueldade, liberdade de agir conforme as características da sua espécie, em vez de fazer truques e habilidades para encher os bolsos às companhias circenses. Se eles não conseguem exigir estas condições por eles próprios, temos de ser nós a fazê-lo.
De facto, porque é que nos havemos de divertir às custas do sofrimento de outros seres vivos? Será que não nos divertimos de maneira igual com outro tipo de espectáculos de circo? Temos o exemplo do Cirque du Soleil que é mundialmente famoso e lucrativo e para isso não utiliza animais para entreter o público.
Há que acabar com a utilização indigna dos animais para experimentação, investigação e outros fins científicos. Mas mais grave é quem utiliza os animais em nome da “arte”, como foi o caso do “artista” Guillermo Vargas, que deixou propositadamente um cão morrer à fome durante a sua exposição. Fê-lo em nome da arte! Mas que arte é esta de se deixar um cão faminto e doente, amarrado por uma corda a um canto da sala? O pobre cão acabou por morrer à fome em plena exposição quando o título da amostra estava escrito numa parede através de uma colagem feita à base de comida canina. Ele chama-lhe arte, eu chamo-lhe sadismo! Os motivos do "artista" baseavam-se na constatação da hipocrisia alheia: “ um animal torna-se o centro das atenções quando é posto num local onde toda a gente espera ver arte”. Remata ainda que “ o cão está mais vivo que nunca porque continua a dar que falar”. Quem merecia a imortalidade era este “artista”.
Quando me deparo com cenas destas não consigo deixar de pensar “afinal, aqui, que animal é que merece ter direito?”
Há que se dar viva voz a quem não a tem!