Ao tentar qualificar da melhor forma o Princípio da Prevenção, não poderemos deixar de parte o entender do Prof. Gomes Canotilho, quando refere que o Direito do Ambiente constitui um domínio jurídico forçosamente “ancorado no princípio da prevenção”.
Com efeito, a própria referência na Constituição nos art. 66º/2 a) e d) (ainda que indirectamente), bem como no art.53º/3 a), reforçam a sua importância no Direito do Ambiente. Seguindo o Prof. Vasco Pereira da Silva, poderemos dividir este princípio em sentido restrito e em sentido amplo, sendo que no primeiro caso pretende-se evitar um perigo imediato e concreto, enquanto no segundo se pretendem evitar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não determináveis.
Ora é exactamente este sentido amplo que se assemelha com o “Princípio” da Precaução, o qual na opinião do Prof. Gomes Canotilho “significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza por falta de prova científica evidente, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação de ambiente”, encontrando a sua consagração no TUE art. 174º/2.
Contudo, esta autonomização não ocorre sem uma alargada discussão doutrinária. Na base da crítica a esta autonomização por parte do Prof. Vasco Pereira da Silva, encontram-se 3 argumentos, nomeadamente: a sua natureza linguística, sendo que “prevention” e “precaution” assumem uma distinção clara apenas em países de língua inglesa; de técnica jurídica, com o Princípio da Prevenção consagrado constitucionalmente, com todas as consequências que daí advêm; e por último, o conteúdo material e a dificuldade de estabelecer critérios de distinção entre os dois princípios. Ora, é neste último argumento que as críticas assumem um maior relevo, entendendo o Prof. que uma aplicação total deste princípio pode dar lugar a uma interpretação eco-fundamentalista “susceptível de afastar qualquer realidade nova”. Deste modo, defende uma interpretação ampla do Princípio da Prevenção, considerando que perante as dificuldades que surgem no âmbito de determinação de responsabilidade ambiental e de uma relação causa-efeito, entre acto ilícito e dano, existindo alguém a quem possa ser imputada essa mesma actividade ilícita susceptível de ter provocado tais danos, cria-se uma presunção de causalidade entre ambas, equilibrando assim, de certa forma, um pouco a balança entre o âmbito de protecção de ambos os princípios.
Em opinião contrária, defendendo a importância dessa mesma autonomização, F. Össenbuhl define essa distinção ao referir que “a prevenção pressupõe a previsibilidade de perigo, enquanto a precaução visa antecipar o surgimento de um perigo, a fim de o evitar”. Já Ana Gouveia Martins define o Princípio da Precaução em sete ideias fundamentais: Perante a ameaça de danos sérios ao ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma actividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência; a inversão do ónus, cabendo a quem pretende exercer uma dada actividade demonstrar que os riscos a ela associados são aceitáveis; in dúbio pró ambiente; Concessão de espaço de manobra ao ambiente, reconhecendo que os limites de tolerância ambiental não devem em qualquer caso ser transgredidos ou mesmo forçados; a exigência de desenvolvimento e introdução das melhores técnicas disponíveis para uma melhor avaliação; a preservação de áreas e reservas naturais e a protecção de espécies; promoção e desenvolvimento de investigação cientifica e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma dada actividade.
Cabendo tomar posição, os argumentos invocados pelo Prof. Vasco Pereira da Silva assumem uma maior relevância no âmbito da inversão do ónus da prova, uma vez que, em última análise, o Princípio da Precaução poderia resultar num nível de “risco zero”, obviamente excessivo para o avanço tecnológico. Contudo, como bem refere Carla Amado Gomes, essa inversão “é um imperativo da prevenção alargada induzida pela sociedade de risco” quando está em causa a possível lesão de bens jurídicos constitucionalmente protegidos, tendo aliás como exemplo o procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental. Deste modo, a distinção entre ambos os princípios, ainda que de difícil aplicação concreta, revela para uma maior defesa dos interesses ambientais, devendo em cada caso ser analisada essa diferença entre o que está efectivamente provado, e o que eventualmente poderá vir a ser.
No Direito Internacional, o primeiro caso no qual o Princípio da Precaução foi invocado perante o TIJ, opôs França e Nova Zelândia em matéria de ensaios nucleares que o Estado francês pretendia realizar. A argumentação da Nova Zelândia para impedir a realização de tais ensaios, tinha por base estudos realizados por alguns cientistas, segundo os quais estes testes, ainda que subterrâneos, seriam susceptíveis de provocar lesões no meio marinho e até nas pessoas. Ainda que o TIJ tenha recusado esta pretensão com base na incerteza sobre a lesividade da actuação, cabe analisar o voto do Juiz Weeramantry defendendo a aplicação deste princípio:
“New Zeland has placed materials before the Court to the best of its ability, but France is in possession of the actual information. The principle then springs into operation to give the Court the basic rationale considering New Zeland´s request and not postponing the application of such means as are available to the Court to prevent, on a provisional basis, the threatened environmental degradation, until such time as the full scientific evidence becomes available in refution of the New Zeland contention”.