segunda-feira, 13 de abril de 2009

O Princípio da Precaução é uma Porta Aberta para o Eco-fundamentalismo? - Comentário à 1.ª e à 3.ª Tarefas

O eco-fundamentalismo pode ser definido como um movimento que objectiva voltar ao que são considerados princípios fundamentais, ou vigentes na fundação do movimento ecologista. Refere-se ao grupo que intencionalmente resiste à identificação com o grupo maior do qual diverge quanto aos princípios fundamentais dos quais imputa ao outro grupo maior ter-se desviado ou corrompido pela adoção de princípios alternativos hostis ou contraditórios à identidade original. O eco-fundamentalismo e as interpretações a ele afectas são, na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva, um perigo proporcionado pela "incerteza do conteúdo" do Princípio da Precaução. Mas será que é mesmo assim?


Para já, a jurisprudência internacional tem-se mostrado avessa à consagração do Princípio da Precaução como princípio jurídico autónomo. Mesmo sendo discutível a sua emergência no quadro do Direito consuetudinário geral, a verdade é que Portugal está obrigado internacionalmente a implementar o princípio [da precaução], no âmbito das convenções que celebrou, designadamente, em matéria de emissões potencialmente geradoras do efeito de estufa e de danos na biodiversidade. Além disso, embora se trate de uma mera declaração de intenção, sem qualquer valor jurídico vinculante, o Estado português assumiu internacionalmente na conferência do Rio de Janeiro, o propósito de guiar-se por uma política de desenvolvimento sustentado assente no Princípio da Precaução. Deste modo, a discussão sobre a consagração do referido princípio é deveras importante: não se trata de uma conversa fútil.


Mas, para determinar os exactos termos da discussão é mister distinguir os conceitos de prevenção e de precaução:


A prevenção tem como finalidade evitar lesões do meio-ambiente imediatas e concretas, de acordo com uma lógica imediatista e actualista, o que implica capacidade de prevenir situações perigosas, de origem natural ou humana, que ponham em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências.


A precaução, que deve a sua entrada no património jurídico internacional à tradução do conceito alemão vorsorge, que significa cautela, cuidado prévio ou preocupar-se de antemão, alerta para a necessidade de agir contra a emergência de riscos cuja existência ou dimensão ainda não foi demonstrada ou a necessidade de agir na ausência de riscos, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, designadamente recorrendo a quatro grandes postulados que resultaram da interpretação operada pela Doutrina alemã e que inspiraram o art. 5.º do Código Ambiental Alemão:

  1. Detecção atempada dos perigos, para tanto sendo necessário promover e incentivar a investigação científica;
  2. Face à ameaça de danos irreversíveis, a ausência de provas científicas conclusivas não pode constituir argumento para adiar a adopção de medidas adequadas a controlar os riscos de dano ambiental;
  3. Promoção do desenvolvimento tecnológico e incentivo à criação de novos processos técnicos aptos a reduzir ou eliminar os níveis de descarga de poluentes;
  4. Constitui incumbência do Estado promover a introdução de tecnologias mais limpas no sector privado.


Um problema que emerge da distinção entre prevenção e precaução é o do aparente cáracter vago deste último conceito. Na verdade, como afirma a Drª. Ana Gouveia Martins, quando falamos de precaução apenas seria identificável com nitidez o seu núcleo essencial constituído pela «possibilidade de adopção de medidas impeditivas do risco de produção de danos ambientais, na ausência de provas científicas conclusivas sobre o nexo de causalidade entre determinadas actuações e o risco da ocorrência de danos ou sobre a sua extensão ou gravidade». Nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, perante estes dados correríamos o risco de «interpretações eco-fundamentalistas, susceptíveis de afastar qualquer realidade nova: a qual, na dúvida, pode ser sempre objecto de irracional desconfiança e, desde logo, considerada “culpada” de lesão ambiental».


Porém, este problema que se fazia sentir desde a formulação do Princípio da Precaução e da sua consagração nas fontes do Direito parece-me ultrapassado. Na realidade, a adopção de medidas de precaução já não se basta apenas com a existência de um risco de dano; hoje temos outros elementos que as justificam a bem da precaução do progresso perante interpretações eco-fundamentalistas. Esses elementos justificativos que se juntam à existência de um risco de dano para legitimar a adopção de medidas de precaução são:

  • a existência de motivos razoáveis de inquietação, não bastando qualquer alerta, qualquer dúvida para que se justifique a adopção de medidas de precaução (elemento justificativo introduzido pela Convenção Sobre o Meio Marinho do Atlântico Nordeste, de 1992);
  • a existência de ameaças de produção de danos graves ou irreversíveis, não bastando um risco potencial (elemento justificativo introduzido pela Convenção Quadro Sobre Alterações Climáticas de Nova Iorque, de 1992, pela Declaração de Bergen, de 1990, e pela Declaração do Rio de Janeiro, de 1992);
  • a adopção da melhor relação custo/eficácia, introduzindo-se, deste modo, a ponderação de factores económicos (elemento justificativo introduzido pelo Protocolo de Oslo à Convenção Sobre Poluição Atmosférica Fronteiriça a Longa Distância, de 1979, e pela Carta Mundial Para a Natureza, de 1992).


Assim, temos elementos interpretativos suficientes do Princípio da Precaução para afastar, de vez, quaisquer interpretações eco-fundamentalistas que paralisem o progresso em nome de uma qualquer dúvida sobre um hipotético risco de produção de danos ambientais.