terça-feira, 28 de abril de 2009

Informação Ambiental (7.ª tarefa)

O caso aqui em apreço, analisado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 136/2005, de 15 de Março, traduz um conflito de direitos: de um lado o direito à informação como forma adequada de exercer a tutela do Ambiente, aqui requerida por uma organização ambientalista, já que só podemos levar a cabo uma tutela efectiva se tivermos a possibilidade de conhecer os dados da situação, existindo um dever de informação por parte do Estado relativamente a vários procedimentos de carácter público face aos cidadãos; e o direito ao sigilo negocial, ao segredo industrial e de laboração, num contrato celebrado entre o Estado e um grupo de empresas.
Antes de comentarmos o caso propriamente dito, parece importante fazer aqui umas breves notas sobre o próprio direito de informação ambiental, como especificação do direito geral de informação. Este direito geral surge na Constituição da República Portuguesa, no art. 268.º, tendo uma dimensão subjectiva, na medida em que este direito é essencial como forma de reacção do cidadão face aos poderes públicos, e uma dimensão objectiva, funcionando como forma de permitir o controlo da transparência da decisão administrativa. Surge, assim, uma inversão da tradição de segredo administrativo, fundamental em sede de Direito do Ambiente na medida em que a “sustentabilidade ambiental” (Carla Amado Gomes, O direito à informação ambiental: velho direito, novo regime, artigo publicado na Revista do Ministério Público, n.º 109, 2007, págs. 5 e ss.), como bem público, depende estruturalmente do direito à informação, como forma da comunidade conhecer e envolver-se no procedimento de âmbito ambiental, protegendo a fruição de um recurso que é de todos. A realização deste direito está, nessa medida, sujeito à vontade de participação dos cidadãos, realizando uma ideia de solidariedade numa lógica de ecocidadania, que se manifesta numa perspectiva intra e intergeracional.
O teor deste direito compreende várias vertentes: o direito à informação em sentido estrito, ou seja, a possibilidade de estar a par dos dados da situação; o direito a ser ouvido; o direito a ser tido em consideração, ou seja, o órgão decisor deve considerar a opinião formada com base nas informações correctamente obtidas pelo cidadão; o direito a ser informado sobre a conclusão do procedimento, realizando-se, assim, os objectivos de participação política dos membros da Comunidade, objectivos pedagógicos e instrumentais, já que é suposto interessar à Administração aquilo que os cidadãos têm a dizer sobre um determinado projecto cuja actividade possa influenciar um bem usufruído por todos, de forma a conhecer todos os dados e opiniões sobre o caso, o que aumenta a probabilidade de uma tomada de posição correcta e melhor fundamentada. Apesar de não estar expressamente consagrado na Constituição na sua especificação ambiental, reconhece-se a inclusão desta vertente do direito à informação, nos arts. 9.º e), 66.º, 20.º n.º 2, 37.º, 48.º, 268.º números 1 e 2.
A necessidade de consagração formal deste direito de informação ambiental foi sentida na Comunidade Europeia, dando origem à Directiva 90/313/CEE, que consagra o direito à informação mas não em termos absolutos, fazendo apelo a um juízo de equilíbrio e razoabilidade aquando do confronto dos interesses em presença. A criação da Agência Europeia para o Ambiente dotou a Comunidade de uma estrutura permanente de recolha, tratamento e difusão de informação ambiental. O princípio 10 da Declaração do Rio de 1992 vem, subsequentemente, consolidar o direito à informação como status activae processualis, mas foi a Convenção de Aarhus de 1998 que lançou verdadeiramente o apelo à democratização dos Estados, no sentido de permitirem o pleno exercício do direito de participação pública. Esta Convenção surge como o primeiro instrumento de democratização das decisões sobre o Ambiente e comporta três direitos, regulando os pressupostos do seu exercício: o direito de acesso à informação ambiental (arts. 4.º e 5.º); o direito de participação em procedimentos tendentes à aprovação de actividades específicas e de planos, programas e políticas em matéria de Ambiente (art. 6.º, 7.º e 8.º); e o direito de acesso à justiça (art. 9.º). Após a ratificação desta Convenção pela Assembleia da República através da resolução n.º 11/2003, de 25 de Fevereiro, e da necessidade de transposição da directiva 2003/4/CE, surge a Lei 19/2006, de 12 de Junho, diploma específico sobre informação ambiental, especial face à anterior lei de acesso aos documentos administrativos, a Lei 65/93, de 26 de Agosto, entretanto substituída pelo novo regime da Lei 46/2007, de 24 de Agosto.
A Lei 19/2006 contem no art. 11.º os fundamentos para o indeferimento do pedido de acesso à informação, especialmente no n.º 6 do mesmo artigo. O art. 11.º, nos números 7 e 8 flexibiliza estas situações: no n.º 7 vem impedir a recusa com algum desses fundamentos sempre que o pedido diga respeito a fontes de emissões poluentes, ao passo que no n.º 8 impõe-se a interpretação restritiva dos fundamentos de recusa, consagrando-se uma cláusula de razoabilidade e de ponderação face aos interesses em presença.
O acórdão aqui em análise data de 2005, altura em que o único regime que regulava o acesso à informação administrativa, de pendor ambiental ou não, constava da Lei 65/93, nos termos da qual, de acordo com o art. 15.º, a Administração podia recusar fundamentadamente a pretensão do particular, estabelecendo-se inclusive um prazo de indeferimento tácito (n.º 3), do qual caberia reclamação (n.º 4). Em casos de dúvida sobre a permissão da consulta da informação requerida, a entidade para a qual se remeteu o pedido deveria solicitar parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (n.º 2). Não se consagravam legalmente quaisquer fundamentos de recusa, nem se estabelecia uma cláusula flexibilizadora semelhante à do n.º 8 do art. 11.º do actual regime.
A matéria essencial deste acórdão incide sobre a constitucionalidade do art. 10.º n.º 1 do regime anterior de acesso aos documentos administrativos, quando interpretado no sentido de restringir o acesso à informação ambiental em benefício do sigilo/dever de confidencialidade negocial como manifestação do segredo comercial e industrial. Actualmente, talvez a questão tivesse sido resolvida de modo diferente, nos tribunais administrativos, face aos critérios estabelecidos no actual regime, que neutralizam os fundamentos de recusa, estabelecendo a necessidade de proceder a juízos de ponderação face ao caso em concreto, embora, o acórdão assinale que “tal ponderação e, portanto, o recurso aos critérios do artigo 18º sempre seriam adicionalmente necessários”, em remissão para um acórdão anterior. Havendo um conflito de interesses é importante esclarecer, como refere o acórdão, que “os contratos de investimento assinados pelo Estado Português e pelas empresas que se propõem realizar um investimento industrial visam satisfazer interesses e valores também constitucionalmente relevantes – cfr. as “tarefas fundamentais do Estado” elencadas no artigo 9.º da Constituição, entre as quais se conta, na alínea d), “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais”. O acórdão esclarece ainda que o dever de sigilo a que o Estado se possa ter obrigado resulta de contrapartidas negociais ponderadas no momento da celebração do contrato e que a total prevalência dos interesses ambientais sobre os patrimoniais não é sempre justificada mas que isso deve ser discutido em outra sede, ou seja, “caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua constitucionalidade, se se entender que essa normas não asseguram cabalmente os valores constitucionalmente protegidos.” O Tribunal optou pela não inconstitucionalidade da norma em questão, interpretada no sentido já exposto, uma vez que o art. 268.º da Constituição abre a porta para a concretização legal destas matérias, podendo esta mesma concretização optar por diversas vias. O problema surge no facto de não ter sido demonstrado no caso concreto que o necessário juízo de ponderação casuística tenha sido feito em termos precisos e fundamentados, o que é exigido por razões de proporcionalidade e equilíbrio na solução dada a conflitos de direitos, sendo deste modo que a possibilidade de restrição do direito à informação deve ser interpretada, de forma a não padecer de inconstitucionalidade, como notou o Conselheiro Mário Torres, em declaração de voto. De acordo com este Conselheiro, citando jurisprudência anterior, impõe-se, “para ser constitucionalmente admissível a restrição ao direito de acesso aos arquivos administrativos, uma casuística ponderação, que deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto, e não em geral, a todos os documentos que acompanham o processo(...)”. E mais: “o tribunal não pode demitir‑se de efectuar a ponderação casuística exigida pelo princípio da pro­porcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E saliente‑se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos e não o contrário (a inexistência de prejuízo rele­vante por causa da facultação desse acesso)”. Conclui também que a justificação do acompanhamento posterior da situação em outra sede é uma justificação deficiente, que viola o direito a exercer uma eficaz tutela ambiental, uma tutela exercida por diversos meios que podem operar a título preventivo, concomitante ou sucessivo, sendo que todos esses meios são idóneos para que o particular possa submeter as suas pretensões perante os órgãos administrativos e judiciais competentes. Por tudo o que mencionámos, parece que neste caso não se justificava a interpretação constitucionalmente defendida pelo Tribunal, no sentido de sacrificar desta forma o direito à informação ambiental.
Relativamente à questão da confidencialidade negocial, o novo regime da Lei 19/2006 é mais restritivo, na medida em que estipula que se deve atender a esses interesses de sigilo quando a lei assim o determine, dependendo a consideração dos mesmos de previsão legal (art. 11.º n.º 6 d)). Já o novo regime de acesso aos documentos administrativos, subsidiariamente aplicável por força do art. 18.º da Lei 19/2006, a Lei 46/2007, no seu art. 6.º n.º 7, parece conferir uma maior margem de discricionariedade à Administração sobre a eventual recusa de acesso a documentos que possam conter segredos comerciais ou industriais, fazendo, no entanto, sempre apelo ao juízo de proporcionalidade. O legislador entendeu limitar de uma forma mais notória a actuação da Administração no regime especial referente à matéria ambiental, exigindo maior transparência para um procedimento que diz respeito a um bem que é de todos, o que nos parece adequado, face à natureza de bem público do recurso em questão. Dada a gravidade das consequências nefastas para o Ambiente que certas actividades podem causar, justifica-se uma maior exigência e uma maior responsabilização da Administração neste campo.