
O acórdão nº136/2005 do Tribunal Constitucional trata um processo urgente, mais precisamente de uma intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (art.104º e ss. CPTA), o referido acórdão baseia-se no confronto entre o direito de acesso à informação ambiental (art. 268º nº2 CRP) e algumas das suas restrições tais como sendo neste caso. O sigilo industrial e os direitos de propriedade industrial (art.10º nº1 lei 65/93 – Lei de Acesso aos Documentos Administrativos). Temos portanto aqui uma colisão de direitos que irá conduzir à compressão de um a favor da consequente expansão do outro. O direito de acesso à informação ambiental é defendido por uma organização ambientalista que lhe tinha visto negado o seu direito de acesso a certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o estado Português e as empresas do grupo B incluindo anexos e estudos técnicos, de modo a permitir avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende. O acesso a estes documentos foi lhes negado e como tal intimaram o Primeiro-ministro a facultar lhes o acesso a todos os documentos exigidos, o que lhes foi indeferido invocando o art.10º nº1 da lei 65/93, ou seja dando prevalência ao segredo industrial em detrimento do acesso à informação (art.268 nº2 CRP), o que fez suscitar a questão da inconstitucionalidade preceito perante o TC já que tanto no Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa como no Tribunal Administrativo Central de Lisboa tinha sido negado provimento na questão principal.
O recorrente nas suas alegações perante o TC no sentido da inconstitucionalidade do art.10º nº1 lei 65/93 tenta demonstrar que é necessário um juízo de proporcionalidade e de ponderação casuística mesmo nas restrições impostas pela própria lei, sendo que nesse juízo o direito de acesso a informação foi nitidamente violado no seu núcleo essencial visto que nenhuma informação lhe foi fornecida e como tal a defesa do ambiente ficara fortemente ameaçada visto que esta se faz essencialmente por acção preventiva (princípios da prevenção e da precaução) na medida em que os danos ambientais são frequentemente de natureza irremediável e grave e como tal a negação do acesso aos documentos inviabilizaria toda e qualquer medida que se pretendesse tomar na eventual defesa do ambiente.
O Primeiro-ministro nas alegações em sua defesa pouco ou nada vem acrescentar reafirmando os direitos em colisão e verificando a precedência das decisões do TC em seu favor na mesma matéria que seguiram o mesmo raciocínio, o PM acusa ainda a organização ambientalista de proceder a uma valoração circunstanciada dos bens em colisão.
O TC nos seus fundamentos, cedo se nota a sua tendência para fazer prevalecer a limitação ao direito de informação desmontando todos os argumentos usados pela recorrente nas suas alegações e chegando mm ao ponto de afirmar que o direito à informação ambiental não consta expressamente da Constituição, o que literalmente pode até ser verdade mas segundo o Prof. Jorge Miranda pode-se retirar dos arts. 9º e), 66º, 20º/2, 37º, 48º, 268º/1 e 2 interpretados no contexto do Estado de Direito Democrático que conta entre as suas tarefas fundamentais a da protecção do ambiente.
O TC conclui assim pela improcedência da arguição da inconstitucionalidade do art.10º nº1 da Lei 65/93 e do art.13º do Decreto-Lei nº 321/95, negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida no sentido da negação do acesso aos documentos por exigências de sigilo previstas nos artigos analisados, por entender que o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e registos administrativos pode sofrer restrições – para além das expressamente previstas no n.º 2 do citado artigo 268.º da CRP, impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, entre os quais os destinados a proteger segredos industriais e comerciais, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março. Creio no entanto que a razão está com a prof. Fernanda Palma e o Conselheiro Mário José de Araújo Torres que votam vencido esta decisão por considerar que mesmo havendo norma a impor restrições ao direito de acesso à informação, essa restrição explícita não deve ser encarada como absoluta nem deve estar impune à ponderação dos interesses em causa no caso concreto sujeitando-a ao teste da proporcionalidade, necessidade e adequação a que exige o art. 18º nº2 CRP.
A decisão acabada de analisar brevemente, revela para alem de uma enorme insensibilidade ambiental a favor de um projecto industrial envolvido num enorme secretismo e de contrapartidas duvidosas, uma ponderação desequilibrada de interesses e que actualmente teria um desfecho bem diferente.
Com a entrada em vigor da lei 19/2006 em matéria de direito à informação ambiental, lei especial relativamente à pré-existente lei de acesso aos documentos administrativos (lei 65/93), anteriormente citada, a qual continua no entanto a ser aplicada subsidiariamente (art. 18º da lei 19/2006), a defesa do ambiente começou a ganhar autonomia e destaque, desde logo na sua génese (a informação ambiental), assim sendo este caso visto à luz da nova lei teria tido um tratamento algo diferente, senão vejamos, a lei 19/2006 é fruto de uma grande evolução e de um esforço de uniformização universal na facilitação de acesso às informações em matéria de ambiente, é obvio que não se pretende consagrar o direito à informação ambiental como um direito absoluto insusceptível de compressão por qualquer outro direito, mas a tendência será reforça-lo perante cada vez mais direitos que possam entrar em colisão com este.
Assim sendo na nova lei existem claros sinais de que na ponderação de interesses entre o direito à informação e o sigilo industrial, a informação prevaleceria. Se é certo que uma das razões de indeferimento do pedido de acesso à informação continua a ser a confidencialidade das informações comerciais e industriais (art.11º nº6 alínea d) da lei 19/2006), o certo é que tal como a prof. Carla Amado Gomes afirma, a lei alberga três clausulas flexibilizadoras dos fundamentos de recusa de acesso à informação ambiental, entre elas o art. 11º nº7 que inviabilizaria a recusa de acesso aos documentos caso a informação recusada dissesse respeito a fontes de emissões poluentes, outro sinal claro da nova “era ecológica” é o art. 11º nº8 que impõe uma interpretação restritiva dos fundamentos de indeferimento e os submete ao crivo da proporcionalidade, o que já aqui demonstra uma certa parcialidade do legislador a favor do direito de informação, e por ultimo temos o art. 12º que estabelece um princípio de preferência da disponibilidade parcial quando não seja possível de todo a disponibilidade total de informação, isto é claro sempre que seja possível separar a informação.
Estes três novos preceitos aliados ao reforço dos meios de tutela impostos pela reforma do Contencioso de 2004 onde se aboliu o recurso hierárquico necessário e se passou a ter uma tutela jurisdicional efectiva onde se pode recorrer indiferenciadamente tanto aos meios de recurso graciosos através de uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (art.14º nº2), como dirigir-se de imediato aos tribunais administrativos sendo o meio processual mais adequado a estas situações a intimação para a prestação de informações regulada nos art. 104º e ss do CPTA, dão nítidos sinais de abertura para uma nova mentalidade ecológica que parece que chegou para ficar e que parece ter ganho uma importância decisiva e um incontornável local de destaque na agenda politica, social e cultural das comunidades globais.