
Nos dias que correm o Direito dos Animais é um tema bastante discutido. Penso que direito dos animais deve ser entendido no sentido de “deveres do Homem para com os animais”. Os animais não são sujeitos de direito nem titulares de relações jurídicas, são coisas (art.º 202 e ss. do C.C.), mas tal não significa que não mereçam qualquer tipo de tutela, como a concedida, por ex., pela Lei 92/95 de 12/9.
O nível de protecção dado aos animais varia de forma substancial dependendo do sistema jurídico em causa. Em Portugal essa protecção, se comparada com outros países (Áustria, Alemanha, etc.) , ainda está pouco desenvolvida.
Passaremos à análise da tutela atribuída aos animais no âmbito da Lei 92/95 de 12/9, mais concretamente no que diz respeito ao tiro aos pombos. Para tal vamos ter em linha de conta o acórdão do STJ de 19/10/2004. O que se discute neste acórdão é a licitude ou ilicitude do tiro aos pombos. O STJ começa por esclarecer “que o facto de a lei proibir, em regra, a morte desnecessária dos animais não significa que eles seja titulares de direitos subjectivos à vida e à integridade física”. Acrescenta que no nosso ordenamento jurídico são coisas móveis (arts.º 202/ n.º1, 205/n.º 1 e 212/3 do C.C.). Segundo André Dias Pereira os animais devem ser considerados res sui generis (arts.º 1318 e 1323 do C.C.). Na minha opinião este entendimento deve ser levado em consideração.
De seguida o ac. “disseca” o n.º 1 do art.º 1 da referida lei.
Artigo 1.º
Medidas gerais de protecção
1 - São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal.
Daí se conclui que violência injustificada significa “desnecessário acto de força ou brutalidade contra animais”; a desnecessidade, por seu turno, verifica-se quando não há justificação razoável ou utilidade; a morte reconduz-se a “eliminação da sua estrutura vital”; existe uma lesão grave quando o ferimento é um golpe profundo ou extenso ou de dor intensa; por fim sofrimento cruel e prolongado é a “dor física assaz intensa e por tempo considerável face ao circunstancialismo envolvente”. O tribunal considera que o tiro aos pombos não consubstancia nenhuma situação do art.º 1/n.º 1. A morte dos animais justifica-se porque é provocada no âmbito de uma actividade desportiva que permite a produção de riqueza individual e colectiva. Não posso concordar com tal entendimento. Penso que os objectivos da actividade podem perfeitamente ser atingidos com recurso a pratos ou hélices. Temos de pensar nos pombos que podem não morrer imediatamente com o tiro. Nessa situação não podem voar correctamente devido à remoção das penas da cauda. Para além disso encontram-se com várias lesões e vão ficar a agoniar até à morte. Se isto não é sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal não sei o que será. Quanto às vantagens económicas elas não podem ou não devem ser obtidas a qualquer custo.
Um argumento apontado pelo STJ é o elemento histórico da Lei. Nos estudos preparatórios o tiro aos pombos seria proibido, mas isso não se verificou. O que levou o tribunal a concluir que o legislador quis manter a licitude. Tal como o tribunal penso que este argumento não é decisivo.
O acórdão faz referência ao art.º 1/n.º 3/al. b), e) e f) da Lei 92/95 de 12/9 e à Lei da caça para dizer que são situações semelhantes e portanto lícitas. Com os mesmos preceitos legais penso que se pode chegar a uma posição diametricamente oposta, pois se o legislador não salvaguarda o tiro aos pombos é porque esta actividade está abrangida pelo art.º 1/n.º 1 da Lei 92/95 de 12/9, logo é ilícita.
De acordo com o tribunal a prática de tiro aos pombos “constitui um facto de promoção do crescimento da espécie”. Na minha opinião a existência de pombos não depende da prática desportiva em causa.
O último argumento apresentado pelo STJ é que a pratica em questão tem relevância e tradição em Portugal, visto que existem muitos clubes de tiro. Nos clubes de tiro são praticadas várias actividades o que não implica que seja praticado o tiro aos pombos. Como indica o art.º3 do C.C. os usos só são fontes de Direito quando a lei o determina. O facto das pessoa praticarem o tiro ao pombos não pode derrogar a proibição do art.º 1/n.º 1 da Lei 92/95 de 9/12. Mesmo que se considere que existe uma tradição acho não deve prevalecer face à morte desnecessária e cruel dos pombos.
Em conclusão, penso que o entendimento do STJ (a não proibição do tiro aos pombos no ordenamento jurídico português) deve ser de rejeitar pelos contra-argumentos referidos ao longo da exposição.