domingo, 22 de março de 2009

Pombos- Alvos a abater?

Para os acérrimos defensores dos direitos do animais, a prática de tiro ao voo, vulgarmente designado por “tiro aos pombos”, apresenta-se como atentatória das suas convicções.
Questiona-se desde logo se o sofrimento infligido àquela espécie assenta em qualquer justificação plausível ou se o seu único fundamento é a diversão dos praticantes da modalidade.
Não obstante, a querela suscita-se mais complexa do que à primeira vista possa parecer, pois toda a discórdia que tem gerado, surge a respeito da legislação em vigor referente à protecção dos animais - lei 92/95 de 12 de Setembro.
Refere o seu artigo 1º/1 que “são proibidos todas as violências injustificadas contra animais considerando-se como tais os actos consistentes em , sem necessidade, de infligir a morte, sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”.
Todavia enquadrar-se-á o vulgo “tiro aos pombos” nesta previsão?
O artigo vai mais longe, dispondo no seu número 3, designadamente alíneas e) e f) que são também proibidos os actos consistentes em:
(…)
e)-utilizar animais para fins didácticos de treino, filmagens, exibições, publicidade ou actividades semelhantes na medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimento considerável, salvo experiência científica de comprovada necessidade;

f)- utilizar animais em treinos particularmente difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em confrontar mortalmente os animais uns contra os outros, salvo na prática da caça.

Contudo, o que importa desde logo discernir é se a referida modalidade desportiva acarreta dor ou sofrimento considerável para os animais.
O acórdão em apreço sustenta em primeira análise que a legislação em causa não visa de nenhum modo conferir direitos aos animais devido a uma gritante impossibilidade de serem titulares dos mesmos.
Tal não obsta, a que toda a forma de violência gratuita e cruel seja proibida quando não encontre fundamentação numa tradição cultural deveras enraizada.
Assim, os actos de violência que se traduzem numa força e brutalidade excessivas que poderão conduzir à eliminação da estrutura vital do animal, em razão de golpe profundo ou extenso, ou dor intensa ou assaz por tempo considerável, são inteiramente proibidos.
No entanto, no caso do tiro ao voo não é isso que sucede.
De facto, procede-se à extracção das penas traseiras do pombo para que o seu voo se torne mais irregular e como tal possa servir para testar a aptidão dos atiradores, mas tal é feito já no decorrer da prova por indivíduos aptos e com experiência nessa área de modo a não molestar os animais. ( Ac. STJ 15-03-2007, processo 06B4413, in http://www.dgsi.pt/).
O referido procedimento não implica desta forma sofrimento cruel para a espécie,que é abatida quando colocada em liberdade e ainda que consiga sobreviver à penetração do chumbo é imediatamente morta mediante a “quebra das vértebras cervicais” (idem).
Acresce ainda que, a lei 92/95 e a Declaração Universal dos Direitos dos Animais ( Unesco), não devem ser entendidas no sentido de conferirem direitos aos animais, mas sim no dever que incumbe ao ser-humano na sua protecção, não lhes infligindo maus tratos nem perpetrando quaisquer actos de violência desnecessários ou gratuitos.
Mas, prende-se ainda com esta questão o conceito de necessidade ou justificação a quando da realização destes torneios.
Assim, concordo com os argumentos aduzidos não só neste acórdão mas igualmente em outros dois acórdãos do STJ um de 04-04-2000 e outro de 17-12-2002(in http://www.dgsi.pt/), na medida em que procedem a uma valoração de bens jurídicos em causa, sustentando em ultima análise a importância cultural e tradicional do “tiro aos pombos” , importância essa plasmada na lei fundamental no seu artigo 9º, alínea e) e traduzida pelo facto de ser uma das tarefas fundamentais do Estado, a protecção e valorização do património cultural português.
Semelhante garantia não é conferida aos animais, o que se afigura coerente com a definição que lhes é atribuída pelo código civil, uma vez que legalmente ( entenda-se) são coisas móveis susceptíveis de apropriação ( arts. 202º/1; 205º/1; 212º/3 C.C ).
Tal não significa, sublinhe-se, uma total desconsideração pela integridade física dos animais, comportamento que traduziria a uma perfeita ignorância da legislação em vigor.
Outro argumento que se prende com a não consideração da prática em análise enquanto provocadora de sofrimento cruel e injustificado é a exclusão da ilicitude de certas práticas afins, como a caça e a pesca desportiva ou até mesmo as touradas.
A primeira é regulada pela lei 179/99 de 21.09 e vem permitir para além do exercício do tiro, do treino de cães de caça e provas de Santo Humberto, a reprodução, criação e detenção de espécies cinegéticas em cativeiro para aqueles fins, sendo que se figura mais cruel quer esta prática , quer qualquer das anteriores em que os animais sofrem em medida superior.
Concluindo, o tiro aos pombos enquanto semelhante da actividade, piscatória, venatória e tauromáquica, não deve ser encarada enquanto modalidade atentatória da integridade da espécie em causa, mas sim como apresentando elevado pendor cultural fazendo parte da identidade do povo português.