quarta-feira, 25 de março de 2009

Comentário à frase da Prof Martha Nussbaum

A Professora Martha Nussbaum começa por afirmar que os animais não humanos são capazes de uma existência digna e chama a atenção para as condições degradantes em que vivem os animais dos circos, enjaulados, subalimentados e privados do contacto com outros animais da mesma espécie ou de outras espécies.
A Professora afirma que não vê qualquer razão para que os mecanismos judiciais e de legitimidade ( entitlement ) não possam ser estendidos ou alargados ao longo da barreira da espécie. Ou seja a questão que se coloca é a de saber se os animais não humanos são objectos de direitos ou sujeitos de direitos. Da afirmação da Professora decorre desde logo a ideia de que a espécie animal por oposição à espécie humana deveria ela própria ter meios de reacção contra violações dos seus direitos.A meu ver a melhor forma de protecção dos animais não ocorre por via de lhes atribuir direitos mas pelo dever das pessoas em relação a eles e a atribuição àqueles do direito à vida e à integridade física só poderia operar por via de alteração da Constituição.
A melhor forma de tutela jurídica dos animais não passa pela via de lhes atibuir direitos subjectivos ( que eles depois não poderiam exercer pessoal e livremente em juízo ) mas pelo reconhecimento de que existem deveres dos seres humanos em relação aos animais, ou seja, a melhor forma de tutela dos animais é a tutela objectiva.Os animais não são coisas.
Duas questões se levantam: será que os animais são seres vivos susceptíveis de serem titulares de posições jurídicas activas, ou seja, de direitos; se sendo titulares desses direitos são dotados de legitimidade para intervir em juízo ou seja se podem exercer esses direitos pessoal e livremente.




Relativamente à problemática da representação dos direitos dos animais há que considerar o seguinte. À primeira vista, o argumento de que os animais não podem defender-se juridicamente, nem representar-se sequer o que são os direitos que lhes atribuiríamos, é cruel, porque fomos nós que convencionámos a inferioridade deles com base, quer na sua inacessibilidade ao nosso sistema convencional de avaliação da coexistencia, quer na crua constatação da desproporpoção de forças: a incapacidade que os não humanos têm de travar uma guerra organizada contra os humanos ( com a possível excepção dos vírus ), face à nossa muito visível capacidade de promovermos o extermínio de espécies inteiras.




Pensando no problema da representação, a questão dos direitos dos animais pode e deve ser dividida, visto que não parece já plausível atacar-se em bloco a ideia de uma atribuição genérica, que encontra já consagração legal num empenho na promoção universal e não-contingente de alguns aspectos do bem-estar animal. O que falta, em muitos casos, é apenas a especificação dos meios de acção que assegurem a defesa espontânea e individual de interesses de animais, complementando a diligência de instituições públicas e colectivas na defesa de interesses difusos de classes inteiras de animais ( permitindo uma defesa individualmente tão efectiva como o é hoje a defesa dos interesses de menores, de deficientes e de pessoas colectivas ). Do campo teriofílico - a teriofilia designa uma mescla de solicitude e de compaixão, por um lado, e por outro uma crença primitiva na superioridade dos não humanos um fascínio pela natureza inimputável e determinista da «naturalidade» deles, pela sua não-maculação por uma «intencionalidade» - elevam-se múltiplos apelos no sentido de os juristas tomarem em mãos a defesa dos direitos dos animais por todos os meios que estão já ao seu alcance sem mais delongas - lançando mão por exemplo de inumeras normas que reprimem a crueldade sobre os animais -, sobretudo sem terem que estar à espera de ulteriores « revoluções legislativas » que provavelmente nunca surgirão; sendo exemplo disso a «rede» de 700 advogados que compõem hoje nos Estados Unidos o Animal Legal Defense Fund ( ALDF ) dispostos a uma incansável defesa dos direitos dos animais - e não somente dentro do sistema judicial norte-americano.




O obstáculo maior à efectivação dos direitos dos animais é o da respectiva praticabilidade contenciosa, é o da legitimidade processual e representação em juízo, visto que se poderá questionar o nexo legitimador entre o «representante» e o animal, nos casos em que se trate directamente da reparação de interesses do animal. Por um lado, a óbvia incapacidade de exercício, pelos animais, dos direitos que convencionalmente lhes sejam atribuídos não obsta a que estes direitos sejam sistematicamente exercidos por representantes não-núncios precisamente da mesma forma que o são para os incapazes humanos. Por outro lado, a legitimidade processual daqueles que queiram representar os interesses dos animais pode, de iure condendo, ser associada legislativamente à posição de interesse que as pessoas possam ter no bem-estar de animais específicos - seja porque lhes foi ilegitimamente negada informação, seja porque são afectadas pelo espectáculo do sofrimento, seja porque têm um título qualquer que envolve a tutela da vida desses animais -, por forma a que, através do Direito, se exprima qual é o juízo público acerca da premência e prioridade dos interesses em jogo. Nada de trancendente, como se vê, separa os direitos dos animais de uma plena e perfeita representatibilidade em juízo, e parecer-nos-ia, mais do que especista, especiosa também, uma argumentação que esboçasse a denegação dos direitos dos animais com base em simples argumentos adjectivos.




Em último recurso , se entendessemos estar-nos vedada a via dos «direitos subjectivos», seria sempre possível conceber uma « ética ambiental » que fosse ao mesmo tempo antropocêntrica e que preservasse os interesses dos animais através de uma imposição de obrigações morais indirectas para com eles, à maneira kantiana - visto que, a incapacidade que os não-humanos têm de discernir a intencionalidade do sofrimento que lhes é deliberadamente causado tornaria o reconhecimento directo de deveres morais irrelevante para a preservação da qualidade existencial dos não humanos.




Assim, quando não seja possível oferecer aos animais um quadro jurídico de salvaguarda personalizada e plena, restará conceber que a forma como lhes seja imposto sofrimento pode ofender uma ética de compaixão «não especista» que os seres humanos - alguns ou todos - cultivem, uma ética com deveres agravados pela incapacidade de essas vítimas de sofrimento poderem discernir com intencionalidade causal e poderem interagir com ela, seja prevenindo-a, seja reagindo a ela. Uma tal « ética de respeito » contribuiria para a diminuição efectiva do sofrimento de seres vivos. Fá-lo-ia de forma decerto menos culturalmente respeitável e sólida do que a que se obteria com a consagração de direitos subjectivos dos animais - mesmo assim, faute de mieux, uma forma eticamente impecável e pragmaticamente relevante.




Quando se fala de «direitos dos animais» pode ter-se em vista dois propósitos distintos: 1) o de deixar assente que a apropriação humana do mundo animal não é um facto evidente ou incontrovertido - e que por isso existe um programa de defesa sistemático dos interesses em jogo ( usando-se a expressão, pois, no mesmo sentido em que ela ocorre quando se trata de referir os « direitos » de categorias de pessoas; 2) o de procurar a consagração de uma genuína personalidade nalguns não-humanos, mesmo fazendo tábua rasa daquilo que possa entender-se como distintivo da espécie humana, ou da liberdade de conduta que exista para a normalidade dos indivíduos dentro desta espécie.




A meu ver só a prossecução simutânea de ambos faz sentido - se é uma verdadeira «juridicidade» que se trata de constituir, na tutela de interesses individuais e colectivos dos não-humanos, não querendo ficar pelas «meias-tintas» bem-intencionadas de simples proclamações enfáticas.




A preocupação com o meio ambiente é resultado da reflexão da posição do indivíduo na comunidade dados o novos desafios das sociedades modernas.
A tomada de consciência face aos problemas ambientais faz com que o Direito se adapte às novas realidades, objectivando uma tutela efectiva do ambiente. Um dos actuais problemas com o qual o Direito se depara é o que respeita à natureza jurídica dos animais.O Homem ( Homo Sapiens ) é classificado como pertencendo ao Reino Animalia. Entretanto coloquialmente o termo «animal» é utilizado para referir-se a todos os animais diferentes dos humanos caracterizados como animais racionais e dotados de inteligência.




A dicotomia «seres humanos/animais » é um pouco bizarra e decerto perniciosa quando sugere já o carácter único e incomparável da espécie humana quando deixa sub entendido que ela não é uma espécie animal. Por isso deveríamos preferir a dicotomia « animais humanos / animais não-humanos », mas não será de admirar que frequentemente faça uma referência simples à categoria « animais » por contraposição à categoria « humanos », pagando assim tributo a uma convenção linguística que não é fácil de erradicar,neste que pode ser um ponto de transição entre paradigmas.





Um reconhecimento de direitos aos não humanos por mitigado ou confinado que fosse influenciaria directa e profundamente os estudos culturais e o acervo conceptual das próprias ciências humanas, que mais não seja porque se exigiria que estas passassem a espelhar a crescente consciencialização com os temas do bem estar animal e do equilíbrio ambiental - integrando a sensibilidade ao « descentramento bioético » dentro dos cânones da produção cultural , e consumando , ao menos , um pequano deslizamento de paradigma.



Como bem sublinha o artigo 14º da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, a questão do bem-estar dos animais - e eu diria também a dos direitos dos animais - depende crucialmente de esforços generalizados de informação e de educação, que primeiro visem a tomada de consciência quanto às situações em que,propositada ou indvertidamente, os animais são colocados em posições de vulnerabilidade e de sofrimentopotencial ou actual, para depois mais amplamente generalizarem a percepção da insustentabilidade moral da sistemática instrumentalização dos interesses dos não humanos aos interesses da espécie humana.



Muitas vezes a protecção do Ambiente é vista como justificável e necessária somente para a defesa dos direitos ou interesses das pessoas. Esta situação tem , todavia , vindo a ser questionada. A personificação do animal e a defesa dos seus direitos são defendidos por vários filósofos e juristas como sendo a única forma de garantir uma tutela efectiva dos animais. Mas seria realmente necessário atribuir personalidade jurídica aos animais? O que justificaria essa atribuição somente aos animais , dentre todos os seres vivos existentes?




Os defensores dos animais pretendem protege-los da exploração indiscriminada pelos humanos havendo várias correntes mais ou menos radicais. Enquanto alguns se empenham em causas específicas contra o sofrimento dos animais como nas touradas, circos ou no seu uso pela comunidade científica, outros pretendem atribuir personalidade juridica aos animais aparentemente incompativel com a ideia de que estes são apropriáveis ou podem ser explorados economicamente. A discussão acerca da natureza jurídica dos animais é pertinente se atentarmos na tendência do legislador para descaracterizar o animal como coisa sem entretanto lhe atribuir personalidade jurídica. Será que a vida dos animais é tão insignificante e submissa à vontade humana que se justifique a classificação dos mesmos como meras coisas? seria a natureza jurídica dos animais algo de intermediário entre as pessoas e as coisas? Seria o animal uma incógnita jurídica um tertium genus entre as coisas e a pessoa , passível de tutela?
A relação de ser humano com os animais quase sempre foi regida pela ideia de domínio. Actualmente,no entanto, é crescente um consenso sobre a defesa dos animais.
É a partir de Sócrates com a máxima conhece-te a ti mesmo seguido por Platão que o ser humano começa a engendrar o antropocentrismo. Aristóteles defende que os animais possuem almas vegetativa e sensitiva todavia somente os humanos possuem a alma intelectiva. Afirma que há a comunicação entre os animais mas só os humanos têm conhecimento do bem e do mal,do justo e do injusto. O pensamento filosófico ocidental assente nessa dualidade ontológica criou uma separação entre o Homem e a Natureza,legitimando a exploração dos animais.
Seguiu-se o humanismo com Hobbes e Locke equiparando razão e sabedoria incentivando a livre intervenção na Natureza.Mas foi com o racionalismo contudo que a tutela animal veio a ser mais subjugada. Bacon defendeu uma atitude experimental em relação aos animais Mas foi com Descartes que o racionalismo atingiu o auge defendendo o uso experiemntal de animais, comparando-os às máquinas.
A sua teoria veio a servir para justificar várias práticas crueis em detrimento dos animais. A filosofia de Descartes defendia a ideia segundo a qual os animais não tinham inteligência nem alma não tinham consciência da dor e do prazer os seus actos são instintivos, automáticos e mecânicos. Ao invés, o ser humano é dotado de alma e inteligência e capaz de sentir dor prazer e sofrimento.



O Professor Fernando Araújo foi preciso ao afirmar que o erro reside na « ânsia sistematizadora » tão característica de Descartes , e que o deixa a meio caminho entre o dedutivismo escolástico e o empirismo iluminista; o erro insinua-se no pendor dogmático-axiomático com que ele pretendia instaurar na variegada confusão sublunar o mesmo tipo de «certezas dedutivistas » que a revolução científica parecia ter definitivamente estabelecido quanto ao comportamente dos corpos celestes.




Apenas a partir do Século XIX o estudo da Natureza e dos Ecossistemas ganhou impulso nomeadamente com Darwin e Haeckel.
Mais recentemente surgiram teorias que vieram adoptar posições radicais em defesa dos animais. O filósofo Michel Serres afirma que o relacionamento saudável e correcto entre humanos e natureza deve assentar na reciprocidade:tudo o que a natureza fornece ao homem deve ser restituído. Para tanto as pessoas devem renunciar ao contrato social primitivo para firmar um novo pacto com o mundo: o contrato natural.

Os especitas faziam prevalecer os interesses duma espécie ( humana ) sobre os interesses das demais espécies.
Peter Singer na lógica do anti especismo defende o reconhecimento da igual consideração dos interesses dos animais equiparando a discriminação animal às segregações racistas. Segundo Singer o movimento denominado "libertação animal" exigirá um altruísmo maior do que qualquer outro já que os animais não podem reinvidicar a sua própria libertação. Por serem dotados de consciência e responsáveis os seres humanos têm o dever de respeitar todas as formas de vida e tomar providências para evitar o sofrimento de outros seres vivos. A questão que se coloca é saber se o que se pretende é salvaguadar a natureza enquanto bem para os seres humanos ou enquanto bem em si mesma. A primeira concepção é antropocêntrica e parte da consideração dos bens naturais como fontes de utilidade para a vida humana como veículos de satisfação de necessidades vitais e de incremento do bem estar. Trata-se de tutelar o ambiente consoante a sua capacidade de aproveitamento e o seu valor é calculado à medida do homem que dele se aproveita. É nas palavras de Cunhal Sendim uma visão unidimensional e puramente instrumental da Natureza que tem vindo a fundamentar dogmaticamente o Estado de Direito Ambiental e que serve de suporte à generalidade das decisões jurídicas e económicas susceptíveis de ter incidência ambiental. A segunda é uma visão ecocêntrica e tende a acentuar a necessidade de consideração da Natureza como uma realidade só por si só merecedora de tutela, independentemente da sua capacidade de satisfazer as exigências humanas. Os bens naturais teriam uma dignidade autónoma ( Hans Jonas ) a qual o Homem deveria respeitar e promover porque dela faz parte enquanto ser integrado na comunidade biótica ou tão-só porque constituem valores em si ou enquanto parte da biosfera.
A opção por uma ética ecocêntrica corresponde, pois, à consideração valorativa do Homem enquanto parte integrante da Natureza. O princípio antropocentrico é substituído por um princípio biocêntrico não no sentido em que o valor Natureza se substituiu ao valor do Homem, mas sim no sentido em que o valor radica na existência de uma comunidade biótica em cujo vértice nos encontramos explica Cunhal Sendim.

A capacidade de autodeterminação, a consciência de si, a possibilidade de fazer escolhas e o poder de libertar-se da naturalidade, sendo livre, distingue os seres humanos dos outros animais. O Homem é capaz de reflectir sobre os seus actos.




Algumas diferenças específicas entre o ser humano e os animais podem ser apontadas:
a liberdade o determinismo a capacidade de reflectir e de se distanciar da situação na qual está mergulhado além da faculdade ilimitada de se afeiçoar. O ser humano é capaz de se colocar no lugar do outro, distingue entre o bem e o mal: Pode-se distanciar da Natureza daí resultando a liberdade a história a cultura e a ética.
O ser humano ao contrário dos animais tem escolhas, tem opções no seu agir Consequentemente deve ser responsabilizado juridica e eticamente quando as suas acções causarem prejuízo injustificado a outrem, seja ele humano ou não-humano.

Os animais são guiados pelos seus instintos, ao passo que o ser humano tem liberdade de acção. Esta constatação traz consigo uma consequência : o dever de agir ético em relação a todos os seres vivos. O ser humano tem a obrigação moral de respeitar todas as coisas vivas e esta obrigação não se estende aos outros animais qua não têm auto consciência.

O Direito é um fenómeno da cultura que regula relações entre seres vivos e responsáveis que por isso mesmo devem ter consciência dos seus deveres de preservação do meio ambiente e das suas obrigações perante as gerações vindouras
que passam pela conservação do patrimonio biológico assim como do cultural.

Os adeptos da deep ecology ( ecologia profunda, mais apropriadamente ecologia radical ) defendem a tese holística da ausência de diferenças entre toda a comunidade biótica para justificar o reconhecimento de direitos aos animais.
Esta defesa da necessidade de atribuição de personalidade jurídica aos animais pode ser vista sob dois aspectos. o primeiro deles seria a existência de técnica jurídica nomeadamente a das pessoas colectivas que permitiria e facilitaria essa atribuição; o segundo seria uma espécie de promoção "simbólica" pelo facto de o animal ser capaz de sofrer.





No que toca à atribuição de personalidade vista como uma técnica jurídica Laurence Tribe constitucionalista americano considera que os argumentos que normalmente são utilizados para negar o reconhecimeneto dos direitos dos animais não passam de mitos, já que há muito tempo o Direito desenvolveu a teoria da pessoa colectiva, permitindo que estes possam ser sujeitos de direitos . Efectivamente afigura-se juridicamente simples dotar o animal de personalidade: basta que a norma legal o faça . Alega-se também que dotados de personalidade os animais poderiam ver os seus interesses representados em juízo por terceiros da mesma forma que sucede com os incapazes.
A personalidade jurídica encontra-se intimamente relacionada com a capacidade jurídica mas estas não se confundem. No casodos incapazes há meramente uma limitação no que toca à capacidade jurídica. Apersonalidade jurídica não lhes é concedida de forma limitada. o animal não pode ser dotado de personalidade porque esta seria limitada os seus efeitos seriam limitados.
A atribuição de personalidade jurídica aos animais como uma promoção pelos mesmos serem capazes de sofrer geralmente é justificada pelo argumento de uma pretensa ( mas falsa ) igualdade entre os animais e os incapazes baseada em critérios de racionalidade. Alega-se que a inteligencia e consciência de alguns incapazes ( por exemplo deficientes mentais ) não são superiores à dos animais.O animal em dada circunstância pode aparentar ser mais inteligente do que a criança, por exemplo. Mas a criança irá crescer e terá consciencia e domínio das suas funções psíquicas. O animal nunca chegará a tomar consciencia de si.
Defender uma igualdade entre animais e incapazes é abrir a porta ao regresso das atrocidades cometidas em favor das segregações raciais exploração humana e até mesmo aos ideais nazis de uma pretensa"raça superior". A personificação dos animais reconhecer-lhes-ia
uma dignidade similar à humana. Tal assimilação nem sempre foi preconizada para dar um melhor tratamento jurídico aos animais.Pelo contrário às vezes os pontos comuns que os aproximam foram invocados para negar a personalidade jurídica a certos seres humanos.
Argumentam que reconhecer os direitos dos animais faz parte de uma linha directa do reconhecimento dos direitos a categorias cada vez mais amplas de beneficiários através de uma tese da continuidade: estrangeiros,escravos,índios,negros,mulheres e logo os animais. Esta argumentação apresenta uma fraqueza: se não existem diferenças significativas entre os humanos e os animais como justificar que apenas os humanos dentre todas as criaturas deva respeitar a vida dos outros seres vivos? Ora os animais não hão-de ter deveres e muito menos devem respeitar as obrigações nas suas respectivas relações,pois falta-lhes discernimento.
Os defensores dos direitos dos animais baseiam-se na maioria das vezes em critérios de proximidade com as pessoas para alegar pretensos direitos a eles Seria cruel considerarmos a emancipação de algumas espécies animais levando em consideração as relações de proximidade. Isso faz com que sejam livres da opressão apenas os animais dóceis que exteriorizam sentimentos ( seja dor , satisfação ) perceptíveis ao Homem como se essa emnacipação fosse um prémio pela sua sociabilidade.
Alega-se que os animais amam e receiam. É difícil imaginar um predador sentindo piedade da presa Ele age por instinto necessidade e por razões de sobrevivencia não hesita em matar para se alimentar. É essa permanente ausência de consciencia da sua "animalidade" um dos maiores critérios de distinção entre o animal e o Homem.
Para alguns a incontestável sensibilidade dos animais neste ponto similar aos seres humanos justificaria o facto daqueles serem sujeitos de direitos. Entretanto esta sensibilidade não é suficiente para atribuir-lhespersonalidade jurídica. Principalmente pelo facto de não ser a simples sensibilidade que leva os defensores dos animais a pretender atribuir-lhes personalidade jurídica mas sim o critério da exteriorização desse sentimento nomeadamente o sofrimento que é capaz de despertar nas pessoas a piedade Isso explica o facto de muitos restringirem a personificação a algumas espécies. Alguns inclusivé defendem-na apenas para os grandes primatas. O critério do simples sofrimento mostra-se assim inválido.
Se considerarmos as diferenças entre os animais a personalidade não poderia ser concedida da mesma maneira a todos eles.Parece difícil admiti-la com efeitos tão limitados a certas espécies.Não há como valorar juridicamente seres vivos em função da sua complexidade biológica pois preceitos que não consideram o interesse de todos os animais também configurariam uma hipótese de discriminação. É mais razoável melhorar a tutela dos animais sem alterar a sua natureza jurídica.
A " promoção " dos animais à categoria de pessoas não é necessária para que os seus defensores vejam o seu objectivo alcançado qual seja: a sua efectiva tutela. Tal " promoção " seria inócua. Exceptuando-se os direitos à vida e à integridade física que podem ser tutelados mesmo sem a atribuição de personalidade não há que se falar em direitos ao nome, à imagem, à honra, à privacidade, à intimidade do animal direitos estes incompatíveis com a sua essencia. Não há como lhes conferir estes direitos tão pouco lhes atribuir obrigações. Ontologicamente o animal não permite a atribuição de personalidade. Há que procurar tutelar de forma efectiva os animais sem cairna tentação de os personalizar. A expressão direitos dos animais sofre alguns óbices principalmente porque pode parecer equiparar juridicamente os animais aos humanos. Entretanto se compreendida como o conjunto dos deveres que recaem às pessoas de proteger as espécies ameaçadas de extinção e de proteger os animais contra a morte supressões e lesões injustificadas e dolorosas ( enfim, contra o sofrimento desnecessário ) não há que se falar na supressão da sua utilização. Deve-se entender que os animais não estão equiparados às pessoas na personalidade jurídica. Dotar os animais de personalidade jurídica seria um biocentrismo exagerado e desnecessário.
Do meu ponto de vista parece possível desenvolver outra lógica de protecção dos animais afastando a atribuição de personalidade jurídica.



Os animais não são coisas . Em princípio os maus tratos a animais só eram proibidos na medida em que ferissem a sensibilidade das pessoas. É inegável que o animal desperte no Homem tanto os sentimentos de sadismo quanto de compaixão: como não existe a possibilidade de sadismo em objectos inanimados , o animal , como ser " animado " que é possuiria um interesse legítimo em que paremos de torturá-los. Em França a Lei Grammont de 2 de Julho de 1850 punia aquele que publicamente praticava maus tratos contra os animais domésticos. A norma proibia as crueldades públicas evitando testemunhos de maus tratos que poderiam ferir a moral pública. Os maus tratos seriam contavenções somente se fossem presenciados. Seria legítimo maltratar o animal se a tortura fosse realizada em recintos isolados. A exigência de publicidade restringiu o espírito do texto que deveria ser a total protecção do animal. Em 7 de Dezembro de 1959 a Lei Grammont foi revogada sendo substituída por um texto normativo que mantém a repressão aos maus tratos dos animais retirando a condição da publicidade. O animal deve ser protegido em si mesmo independentemente dos efeitos que a visão dos sofrimentos dos quais é vítima possa produzir sobre eventuais testemunhos. Por exemplo como explica o Professor Menezes Cordeiro os maus tratos a animais só poderiam ser proibidos por ( e na medida em que ) ferirem a sensibilidade das pessoas que os presenciassem ou deles tiverem conhecimento. Daí dois corolários óbvios: seria legítimo torturar o animal desde que não houvesse testemunhas ou desde que tal sucedesse em recintos reservados a afeiçoados! : tal a lamentável prática das touradas. O novo pensamento ambientalista diria: o animal representa, só por si, um valor que deve ser respeitado em todas as circunstâncias.



Os animais não são coisas assumindo um estatuto distinto de coisa não provocando necessariamente o reconhecimento da sua personalidade jurídica ( se os animais forem sujeitos de direitos eles não poderão ser ao mesmo tempo objecto de direitos pelo que devem ficar impedidos os negócios jurídicos a eles respeitantes.




O animal é percebido segundo as funções que ocupa na sociedade. Às vezes o animal representa uma fonte de lucro tão grande que é comodo e viável reduzi-lo ao seu aspecto de produto uilitário, sem incomodar-se com a sua natureza de ser sensível. A protecção do animal passa para segundo plano quando se trata de prosseguir interesses económicos. O carácter apropriável do animal não o leva fatalmente a mante-lo na categoria das coisas. A protecção do animal resulta da sua natureza de ser-vivo cuja vida é digna de respeito. A qualificação do animal como coisa defronta-se com três obstáculos essenciais. O primeiro deles seria a aparente contradição entre protecção da sensibilidade animal e direito de propriedade: protegido por si só o animal é protegido eventualmente até contra o seu proprietário. Traçando-se um paralelo com a limitação do direito de propriedade em razão da sua função socio-ambiental, observa-se que aí o objectivo não é a protecção de um interesse da própria coisa, mas a sua protecção em benefício de um interesse da comunidade. A aptidão do animal em sentir prazer e sofrer pode conferir-lhe interesses e neste caso a limitação da propriedade resultaria do próprio interesse do animal em preservar a sua vida e integridade física. O segundo obstáculo seria o reconhecimento normativo de condições de vida ditadas por imperativos biologicos decorrentes da capacidade de sofrer; não existe qualquer outra coisa pela qual as pessoas tenham um obrigação legal de assegurar uma existência digna evitando o sofrimento desnecessário. O último deles seria uma concepção moderna do animal pelo Direito que incluiria novos parametros: o valor não só economico do animal mas também afectivo. Por ser capaz de demonstrar emoções o animal possuiria um valor intrinseco.



Para o Professor Vasco Pereira da Silva uma coisa é a personificação jurídica dos animais (não humanos) o que para o Professor se afigura incorrecto por razões de ordem teórica e de ordem prática , outra coisa é a sua adequada protecção, seja pela via dos direitos e dos deveres dos indivíduos, seja pela via da tutela juídica objectiva. Ora na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva a tutela jurídica objectiva dos animais é manifestamente incompatível com o seu tratamento pela ordem jurídica como simples "coisas móveis" ( vide os artigos 1318º e segs., do CC ) antes impõe a sua consideração como seres dotados de sensibilidade ( tal como determina o «Protocolo Relativo à Protecção e ao Bem-Estar Animal», anexo ao Tratado de Amesterdão ). Pelo que as referidas disposições do Código Civil - assim como outras disposições legislativas de identico teor - sempre que não levem « plenamente em conta » as « exigências em matéria de bem - estar dos animais » ( como estatui o referido protocolo ) podem ser consideradas feridas de ilegalidade por violação do Direito Comunitário, o que configura também, na nossa ordem jurídica uma situação de inconstitucionalidade ( indirecta ) susceptível de controlo jurisdicional ( vide os artigos 277º e segs. da Constituição ) .

O futuro da Humanidade depende da convivência entre espécies A solidariedade inter-específica deve ser reforçada. O animal deve ser protegido em si mesmo independentemente de qualquer utilidade para o ser humano ou da sua capacidade para satisfazer as exigências humanas.

Para terminar só uma breve síntese de como evoluiu no pensamento filosófico o problema da relação entre o Homem e a Natureza, uma vez que é neste quadro que hoje surge a problemática do Direito do Ambiente .



Primeiro, no pensamento grego, o Homem aparece como um elemento do Universo inserido nele em comunhão com Natureza não se diferenciando demasiado do conjunto integrado no Cosmos, e não tendo nem poderes exorbitantes sobre a Natureza nem subordinações excessivas em relação a ela.




Segue-se o momento da civilização judaico-cristã que arranca do Livro do Génesis. E do Livro do Génesis , Cap 1 , nº 28 , consta a directriz que durante séculos foi seguida pela Humanidade « crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra ». Numa outra passagem, dois versículos antes, especificava-se que dominar a Terra significava dominar as aves do céu, os peixes do mar, as plantas da Terra e até ( pormenor curioso ) os répteis que rastejam sobre a Terra ».




Daqui se retirou a concepção do Homem, senhor de todas as coisas, tendo apenas acima dele Deus e, portanto, a concepção de que o Homem era titular de direitos sobre as coisas sobre os animais sobre a Natureza.
Com o Renascimento e com o Romantismo, apareceu uma visão algo diversa desta que já tinha sido prenunciada por essa figura ímpar que foi São Francisco de Assis com todo o seu ideário de irmandade do Homem em relação aos animais e à Natureza. São concepções que davam dignidade às coisas; e quando digo coisas estou sempre aincluir animais e restante Natureza.
Foi a concepção das coisas como seres vivos a que se chamou a animatismo; foi a concepção, ainda mais ousada, das coisas como possuindo cada uma delas uma alma própria - é o animismo ; e finalmente foi a concepção ( para uns sacrílega, para outros a mais pura e a mais bela ) das coisas como possuidoras de natureza divina - o panteísmo.




Destas concepções começou a desprender-se a ideia de que se o Homem tem direitos sobre as coisas também tem deveres para com as coisas, porque elas têm uma vida própria, uma alma própria, sentem, sofrem e carecem de protecção. E essa protecção traduz-se na criação de deveres dos homens para com as coisas.




No século XIX, marcado por um lado pelo humanitarismo cristão por outros pelo sentimento de filantropia oriundos de outras tradições culturais começam a surgir os primeiros movimentos e associações de protecção aos animais, de protecção às plantas, de protecção às florestas. Mas a concepção predominante ainda faz derivar tudo isso de uma ideia de respeito pela criação divina - são seres criados por Deus que, como tal, fazem parte da criação que o Homem deve respeitar. Esta concepção consolida a ideia de que, ao lado dos direitos que o homem tem sobre a natureza, também tem deveres para com ela, e aponta para a necessidade de movimentos e iniciativas de carácter particular ou associativo que começam a lutar pela protecção desses seres que por vezes o homem espezinhava e que careciam de uma protecção especial .



No Século XX aparece, um pouco inesperadamente, a intervenção da ideologia nazi nos problema ecológicos. Este aspecto é muitas vezes ocultado por uma espécie de pudor, mas não devemos deixar de o referir quando adoptamos uma perspectiva científica, isenta e imparcial.



No Século XX, as primeiras leis de protecção dos animais e da natureza são, na verdade, as leis do III Reich, são as leis do nazismo.



Tratava-se de leis tecnicamente bem feitas, juridicamente muito avançadas, e que estranhamente coexistem com os maiores sintomas de desprezo pelo ser humano que o regime nazi aplicou como sabemos. Temos assim por um lado a exaltação dos direitos dos animais e da natureza e por outro lado a subjugação até aos níveis mais inesperados de alguns seres humanos considerados inferiores aos animais e às próprias coisas só por não pertencerem a uma determinada raça ou a uma determinada cultura tida por superior.





Essa experiência é ultrapassada é esquecida e anos depois sobretudo a seguir à 2ª Guerra Mundial começam a surgir os grandes movimentos mundiais de protecção do ambiente e de defesa da ecologia. Nos Estados Unidos da América atinge-se o extremo oposto à concepção tradicional.


Na concepção tradicional o homem é o senhor do universo e titular de direitos sobre as coisas; agora na deep ecology na ecologia profunda é precisamente o contrário: as coisas é que têm direitos contra o homem. Vêm primeiro os direitos dos animais e a seguir vêm os direitos das florestas, os direitos das flores e das plantas, os direitos dos rios e dos lagos, etc.



Nesse momento de um modo geral procura-se fazer sínteses nos países democráticos e por várias vias se vai lá ter : uma é ainda inspirada na tradição judaico-cristã que propõe uma nova leitura da Bíblia. E se no Génesis, cap. 1º, havia uma directriz para que o homem enchesse e dominasse a Terra, citam-se passagens do Livro do Êxodo onde expressamente Deus impõe ao homem o dever de ajudar os animais em aflição, o dever de dar descanso semanal aos animais e o dever de dar um descanso anual às terras ( daí os regimes de pousio e de rotação das culturas que depois entraram na nossa civilização ).


E daqui se parte para uma nova leitura do cap. 1º do Génesis: dominar a Terra não é dominar no sentido de subjugar, subverter, deteriorar, destruir ; dominar é uma palavra que deve ser entendida no mesmo sentido em que se falava dos domínios da coroa na monarquia tradicional : dominar é ficar encarregado de alguma coisa, é receber um mandato de guardar, de proteger e ajudar a crescer e desenvolver-se de uma forma saudável.





Do lado do pensamento marxista também se preconizam fórmulas de respeito do Homem para com as coisas, porque o próprio Marx, descobre-se agora, disse em certas obras da sua juventude que o Homem era parte da vida e da Natureza, era um elemento da Biosfera, e tinha para com ela deveres e responsabilidades inerentes - um pouco o regresso às concepções cosmogónicas da Grécia antiga.


Em conclusão podemos hoje afirmar que o Homem tem por certo alguns direitos sobre a natureza ; que o Homem tem, sem dúvida, deveres para com a natureza ; e que está em aberto e deve ser discutido o problema de saber se a Natureza tem direitos para com o Homem. É a problemática dos direitos dos animais, dos direitos das árvores, das flores, das florestas, da água dos rios e dos mares ...


Não defendo a protecção da natureza como um objectivo decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem. A natureza tem de ser protegida também em função dela mesma, como um valor em si, e não apenas como um objectivo útil ao homem. E a esta luz é curioso reler a nossa Lei de Bases do Ambiente de 1987, que foi na altura saudada muito justamente como um grande progresso na ordem jurídica portuguesa e marcou uma etapa fundamental de consciencialização, de abertura, de inovação. Mas se hoje a relermos é curioso como ela nos soa já um pouco ultrapassada e proventura demasiado subordinada às necessidades do Homem. Porque ela fala no fundo em proteger a vida do Homem, em garantir a qualidade de vida do Homem, em assegurar a saúde e o bem-estar do Homem, em garantir a utilização dos recursos naturais como pressuposto básico do desenvolvimento do homem... Ou seja foi uma lei excelente na altura mas ainda marcada por uma clara concepção antropocêntrica do mundo e da vida uma concepção em que o homem é o centro de tudo e em que tudo gira em torno dos interesses, das preocupações, das aspirações e das necessidades do homem.



Já não pode ser mais assim : a natureza carece de uma protecção pelos valores que ela representa em si mesma protecção que muitas vezes terá de ser dirigida contra o póprio homem. É altura de equacionarmos o que é que a natureza representa como tal independentemente do benefício e da utilidade que tem e há-de continuar a ter para o homem.