terça-feira, 24 de março de 2009

Animaizinhos

Ainda antes de chegarmos ao século XIX, já predominava na sociedade a ideia que a espécie humana não padecia de qualquer obrigação moral para com os animais, seres não humanos. Os animais ocupavam a categoria de coisas, qualificação esta que ainda hoje predomina no ordenamento jurídico português.
Esta ideia encontrava-se fortemente enraizada no pensamento filosófico de Decartes, que no século XVII, constituiu uma teoria segundo a qual os animais não tinham consciência, pois não possuíam alma, sendo esta privativa dos humanos.
Dando um salto até aos dias de hoje, autores como Francione reconhecem aos animais direitos morais, contudo ainda está patente a ideia que estes animaizinhos são tratados pelos sistemas legais como propriedades e utilizados pelos humanos como recursos. Se fizermos uma breve consulta pelos códigos ocidentais, facilmente constatamos que os animais ainda são tratados como coisas, susceptíveis de apropriação individual e de relações jurídicas. Diferentemente desta qualificação, surge o Código Civil Alemão (BGB), que passou a definir oa animais como isso mesmo, afastando-se da classificação como coisas.
Mas qualificar os animais como animais e não como coisas, não potenciará certos riscos, que naturalmente, ocorrerão?
Contradizendo a afirmação de Martha Nussbaum que defende que os animais deveriam ter meios próprios de reacção contra a violação dos seus direitos, penso que é de perfilhar a posição do Professor Fernando Araújo, que alerta para os riscos de personalização da condição animal, referindo: o possível aumento do abandono de animais domésticos, pela falta de responsabilidade pela coisa; a personificação poderia levar ao aproveitamento, numa tentativa de exoneração da responsabilidade de detentores ou exploradores de animais, por danos causados por esses mesmos animais; no caso de conflito entre seres humanos e animais ferozes questiona-se como ficaria a questão da ocupação ou destruição desses animais se confrontados com a necessidade de prevalência de interesses humanos vitais.
Contudo uma coisa não se pode esquecer, todos os seres humanos e alguns animais, possuem em comum o facto de serem sujeitos da vida, sujeitos sensíveis. Como tal, Regan postula o igual valor inerente de todos os sujeitos a uma vida, e assim o direito a serem respeitados, e ainda, o direito a não serem tratados como um meio para um fim. Quando se fala em respeito pelos animais, esta realidade torna-se melhor perceptível se aludirmos às diversas leis que protegem o desrespeito aos não humanos, como é o caso da Convenção Europeia para Protecção dos Animais de Companhia, o DL nº 28/96, a Declaração dos Direitos dos Animais, entre outras...
Entenda-se que proteger um animal, respeitá-lo, não significa que estamos a colocá-lo ao mesmo nível dos seres humanos, mas apenas respeitar tanto quanto possível o limite da necessidade, em situações de morte ou sofrimento de um animal.
No confronto entre vida humana e não humana não restam dúvidas sobre a qual prevalecerá. Contudo perante um ser não humano que em alguns casos tantas similitudes parece ter com o ser humano, até que ponto a ordem jurídica não deve reflectir sobre tal, adoptando cada vez mais um maior dever de respeito para com o seu (quase) semelhante?!!...